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Last Days (2005)

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Existem alguns assuntos que são autênticas armadilhas. Há quem prefira despir-se e espancar um ninha de vespas a falar deles. São imensos, mas posso aqui realçar, por exemplo, o conflito israelo-palestiniano ou a vida e morte de Kurt Cobain. Em relação à primeira, não lhe toco nem com um pau de 5 metros, em relação à segunda posso opinar violentamente, uma vez que vivi a época e a situação e estou mais ou menos dentro do espírito da coisa. Ora, Cobain, como todos sabem, era o vocalista dos Nirvana. Musicalmente falando, os Nirvana eram uma banda fraca, desafinada, limitada em termos de técnica musical (ausência total) e que viviam daquilo a que se convencionou chamar de “atitude” ou mesmo “carisma”. Cobain passou de vocalista mediocre e fraquíssimo guitarrista a símbolo da raiva dos jovens pela sociedade e também simbolizava as dores do crescimento e incompreensão. Até aqui tudo bem. Graças a extensos golpes de marketing, a banda passou ao estatuto de porta voz da revolução (inadaptação) dos jovens adultos que desejavam intensamente voltar ao útero. Isso e droga… Muita droga!

Bem, passados uns tempos já todo o puto misantrópico e que apreciava a sua ganza na pacatês do seu quarto se refugiava na figura de Cobain. “Ai, ai, já é o 3º ano que chumbas! Kurt Cobain compreende-ia-me, mãe!“, “Tens quase 30 anos, consomes mais erva que uma vaca mirandesa, não tens emprego, não tens estudos e passas o dia agarrado a uma guitarra desafinada que nem tem as cordas todas! Kurt Cobain compreende-ia-me, mãe!, etc…E era mais ou menos o estado das coisas. Até que o dia o tipo agarra numa caçadeira na casa de banho, mete o cano na boca, prime o gatilho e cessa de existir enquanto criatura de carbono. Todos os jornais das 20:00 abriram com “Kurt Cobain, vocalista da polémica banda Nirvana, suicidou-se”. Então aqui a coisa generaliza-se e não são só fans de grunge que começam a evocar o icon. Passa para miúdas a partir dos 13 anos, que após comprarem uma bandeira dos Nirvana nos chineses, trancam-se no quarto, acendem uma vela e começam a entrar em paranoia depressiva. Isto, claro, ainda acontece hoje. As únicas pessoas que ganharam com isto foram as editoras, produtores de marketing contrafeito da china e os Pearl Jam.

E eis que há uns anos começa a aparecer o rumor que Gus Van Sant iria por as mãos à obra e fazer o seu… chamemos-lhe tributo. Cannes e o caralho e o filme atinge o público em geral como uma chapada nas fuças. Last Days. O maralhal corre em direcção aos cinemas, quais voyers excitados, para ver um inside peek da história do homem. Veredicto: desilusão. Mas afinal nem sequer é o Kurt Cobain? É um tipo igualzinho a ele chamado Blacke. Mas os acontecimentos nem são os mesmos! É uma alegoria em que Van Sant faz uma composição visual metafórica com a verdadeira história. Passa apenas as emoções, a claustrofobia e o desespero. E a música? Qual música?

Bem, até aqui tudo bem. Podiam era ter avisado! O filme acaba por ser mais uma masturbação do ego de Sant do que uma homenagem. Sant, que de certeza tem boas cunhas, aplica a sua habitual estética “fazer filmes para mim” e esquece-se que alguém poderá querer pagar voluntariamente para ver o filme. Acaba por ser uma sequência de cenas longas (e quando digo longas refiro-me a cenas de 15 minutos) do “Blake” a deambular pela floresta, o Blake a atravessar um rio todo nu, o Blake a andar pela casa num vestido de mini-saia, etc. Há até uma cena em que se filma uma TV durante 5 minutos em que se vê na integra um videoclip de hiphop.

Quer dizer, eu até gosto de cinema art-house. Tenho visto grandes filmes conceptuais ou estilizados com razão de existir, mas este? E eu que pensava que ia ver uma obra lógica e coesa. Gus Van Sant voltou a meter os pés na merda com a desculpa do intelectualismo. Não me venham com merdas de que gosto é do Vin Diesel e de porrada. Enfiem este filme no cu. Esta merda provoca num teenager normal e saudável o estado Kurt Cobainiano. Se estimarem a vossa sanidade mental, se não gostarem de perder tempo, se gostarem de ver as unhas a crescer ao espelho ou arrancar os pêlos do nariz, não se aproximem sequer deste filme.

4 Comments

  1. Tiago Ramos

    Eu até gostei. É uma viagem contemplativa ao universo decadente das estrelas de rock… 3.5*

  2. Pedro Pereira

    Eu também vi esta coisa quando saiu, mas por já saber como funciona a cabeça do Gus Van Sant, escapei ao dito pagamento voluntário. Tinha ainda alguma esperança que fosse um filme decente – a kim Gordon até ia aparecer – mas a verdade é que foi uma grande desilusão. Chato, chato, chato, sem nexo, chato, chato! Bahhh!!!

    Esta semana sai mais material de fundo de catálogo dos Nirvana (Bleach – Deluxe Edition & Live At Reading), e eu como qualquer puto que viveu nos anos 90 não consigo ainda resistir à tentação de comprar mais uma inutilidade grunge, e lá fiz a minha encomenda no HMV.com. Viva o capitalismo, viva o Pai Natal!!!

  3. Bruno

    esta critica já tem quase 5 anos

  4. pedro

    “Musicalmente falando, os Nirvana eram uma banda fraca, desafinada, limitada em termos de técnica musical (ausência total) e que viviam daquilo a que se convencionou chamar de “atitude” ou mesmo “carisma”. Cobain passou de vocalista mediocre e fraquíssimo guitarrista a símbolo da raiva dos jovens pela sociedade e também simbolizava as dores do crescimento e incompreensão. ”
    só deves conhecer o nevermind e o hype associado… e para além da visão redutora e distorcida das coisas pareces-me daquelas pessoas que não pode gostar do que os outros (todos) gostam; como se isso fosse um termómetro qualitativo…
    p.s. também não deves gostar de ramones, tão básicos que eles eram… criatividade, atitude, wtf is that?

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