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Caché (2005)

Ora aqui está um filme bem distorcido, destilado pela visão peculiar de Michael Haneke, com todos as características perturbadoras que nos tem habituado. Caché começa por se apresentar como um filme acerca de um mistério que poderá envolver drama, vertente policial e o eventual twist da praxe para acabar. No entanto Haneke sabe usar as ideias pré-concebidas e boçais do cinema actual para nos levar, quais crianças atrás do pai natal, até à terrivel verdade, escondida e silenciada para bem do conforto da sociedade ocidental civilizada de corpo dormente e cabeça escondida na areia.

Caché começa por revelar a fragilidade e superficialidade (de aparente felicidade) de uma relação de um casal que podia ser qualquer casal parisiense. O elemento da ameaça desconhecida é apresentado sob a forma de simples cassetes de video acompanhadas de desenhos bem inspirados (eu comprava um t-shirt com eles). Perante o desconhecido e a ameaça do desenterrar de segredos (sempre escondidos para o cinéfilo), o casal começa a implodir, tentando procurar as causas interiormente, sempre mantendo a fachada de felicidade e prosperidade. No entanto, quando a relação colapsa, a procura vira-se para o exterior, procurando alvos fáceis e débeis, os àrabes, que neste caso é só um, mas que bem podiam ser todos. A desresponsabilização ocidental chega a níveis perturbadores, desconfortáveis e bastante pungentes.

Na realidade, Haneke sabe-nos manipular magistralmente. Constrói a sua obra através de camadas, sendo que o argumento do filme é apenas uma encapsulação de uma situação social complicada em França. A família francesa acaba por ser a França e o pobre emigrante àrabe acaba por ser toda a comunidade. Em causa está ainda o massacre de 200 argelinos numa manifestação em 1968 (???) e a maneira como a França reagiu fazendo-o desaparecer misteriosamente da sua consciência social.

Se a nossa visão perante o filme for puramente a busca pelo misterioso cameraman acabamos por ter um decepção, no entanto se escavarmos o significado político do filme, é um murro no estômago. Não o é por ser uma situação que ninguém conheça, mas sim por levantar uma questão que toda a gente faz questão em ignorar para bem da continuação no nosso próspero modo de vida. Ainda a destacar a cena final que poderá ser para os mais simplistas uma questão de revelar quem manda as cassetes, enquanto que, em termos políticos, poderá ser uma esperança num mundo melhor ou um mundo pior, consoante a vosso alinhamento no espectro político / social.

3 Comments

  1. Leinad

    Nao conhecia. Fiquei muito curioso com o que escreveste. Já tá a sacar…

  2. Dezito (André Sousa)

    É um bom filme. Mas não tão contundente como o Funny Games também de Haneke.

    Cumps

  3. rollingmurray

    É com a Binoche? Se o Haneke fez dela o mesmo que fez com a Huppert no La Pianiste, temos filmaço! Se bem que não a estou a imaginar de cócoras a mijar ao pé de um carro enquanto observa o pinanço lá dentro…

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