Desde 24 de Junho de 2003

RTP2, please don’t go…

rtp2

As minhas relações com a RTP2, ou o 2º canal como era conhecido, não começaram da melhor maneira. A razão do nosso desentendimento era a teimosia dos seus programadores em passar ópera e teatro. Ora, é verdade que são nobres vertentes artísticas que enaltecem a alma e possibilitam pequenas fugas à realidade que o nosso cérebro aprecia, mas para um miúdo de 5 anos não passa da uma parede de ruído sonoro e visual cuja única função é bloquear o acesso ao programa do Vasco Granja. Isto nos finais dos anos 70, início dos anos 80, quando o primeiro canal nos dava meia dúzia de horas de programação e o segundo nos massacrava o cérebro com velhas gordas a chiar e uns pastelões num cenário de cartão a tentar perceber quem matou o patriarca no jantar de Natal. Mas isto mudou, quando a RTP começou a passar uns filmes antigos (já para o final dos anos 70) que eu e o meu pai papávamos com redobrado deleite. Algumas das memórias mais felizes da minha infância (antes de entrar na primária) são os filmes King Kong e The Incredible Shrinking Man em que o meu pai me lia as legendas porque eu ainda não sabia sequer rabiscar o nome.

Outro ponto chave da mudança, em que a minha fúria se ia transformando em incontrolável afeição, foi quando começaram a passar A-Team no segundo canal. Lágrimas de felicidade corriam-me cara abaixo. Os Soldados da Fortuna a ajudar os pobres e oprimidos sempre me emocionou. Infelizmente passava uma novela brasileira qualquer à mesma hora, e a minha mãe não facilitava. Graças a uma TV a cores comprada a prestações para o Euro 84 (França) pudemos construir um videowall na sala, metendo uma TV em cima da outra. A novela a cores (as mulheres ganham sempre) e o A-Team a preto e branco sem som, só legendas. Na rua fazia um frio infernal e dentro de casa não fazia muito menos.

Mais tarde vieram outros marcos incontornáveis que nos fazem tremer de angústia só de pensar na extinção deste nosso companheiro de vida que é a RTP2. O ciclo “cinco noites, cinco filmes” será sempre imortal nas nossas memórias. O EuroChannel, um canal dentro da RTP2 (que transmitia da Holanda) que nos trazia Countdown de Adam Curry com o europop dos anos 80, e que nos educou musicalmente. Também transmitia outros programas que nos permitiam cheirar de perto a Europa cosmopolita quando entrámos para a CEE. Quem se pode esquecer a noite em que passou o “Império dos Sentidos”? Um osso duro de roer para os pais dos adolescentes dos late 80s.

No entanto não é a nostalgia que merece salvar a RTP2, porque se assim fosse ainda hoje havia Calquitos e coleções do Flash Gordon nas caricas de Spur Cola Canada Dry. O que merece salvar a RTP2 é a qualidade da sua programação e a sua dignidade enquanto canal de TV. Os meus pais não têm TV Cabo, no entanto as séries preferidas do meu velho são as mesmas que as minhas, porque ele tem a RTP2. Vê o Dexter, Fringe, Mad Men, 24, Six Feet Under além de toda uma multiplicidade de Sitcoms de boa qualidade. Os meus filhos preferem o ZigZag a todos os canais de putos que a Zon tem para oferecer. Panda? Nickelodeon? Panda Biggs? Disney? Lixo. A programação de qualidade para crianças está toda concentrada no ZigZag, A informação é o essencial. Não nos massacram com o sexo dos anjos nem com a cona da prima. Cinema de qualidade. Não sofre de futebolite e ajuda a criar o gosto por outros desportos. Alguma religião para quem aprecie a sua infusãozinha de fé ou programas para nichos que não cabem em nenhuma estratégia comercial dos canais actuais. Às vezes dou comigo a fazer um zapping de 200 canais e a voltar ao conforto da RTP2 onde revejo um episódio de um série que me sabe ainda melhor do que da primeira vez ou simplesmente a ver um filme que desconhecia completamente mas que é fenomenal.

Não sou dado a politiquices, mas há padrões que falam por si só. Já em 2004 este canal foi transformado em 2: que através de meia dúzia de editais pomposos em honra do superior interesse nacional foi minimizada numa tentativa de a fazer desaparecer para que a RTP fosse um canal mais apreciado para compra por parte dos grupos mercantis de conteúdos para nos continuarem a lavar o cérebro em mais uma frente.

Eu quero que os meus filhos contem histórias aos meus netos que envolvam memórias boas da RTP2, quero poder ter uma casa na montanha na velhice  (que não seja assombrada) onde precise apenas de levar uma TV de 15’’ e uma antena telescópica e ver as séries da RTP2 enrolado numa manta com a minha mulher.

Por isso, amigos, devemos lutar pela nossa TV nacional, aquela que se mantém fiel ao princípios básicos da sua criação. Não quero com isto dizer que me munam de motosserras e cocktails molotof, mas que demonstrem o vosso descontentamento por este ataque à nossa identidade que já começou antes, com a erradicação total da TV em canal aberto a milhares de pessoas, justamente aquelas que menos voz têm e que menos capacidade têm para adquirir e configurar uma parafernália de equipamento necessário para aceder ao sinal de tv digital.

2 Comments

  1. João

    Impossível não concordar…
    Dos 4 canais abertos, a rtp2 é o único no qual eu ainda consigo aguentar-me 2 minutos sem que aquele sentimento de puro embaraço me obrigue a mudar de canal.
    Não sou da mesma geração que tu, mas também tenho as minhas memórias de “infância” com a rtp2, as clássicas sitcoms à hora de jantar, as séries de qualidade que passavam à hora de almoço durante o verão (E.R, Sete palmos de terra..), essências para entreter um jovem madrugador de férias.
    Enfim, long live RTP2 🙂

  2. Konig

    O único canal aberto que ainda vale alguma coisa e querem acabar com ele, fantástico! … só tenho pena dos que não têm posses para ter zones ou meos e ficam limitados à diarreia televisiva das nossas tvs privadas (mesmo rtp1 não é muito melhor)

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