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Skyfall (2012) e a des-rebootização de James Bond

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Há meia dúzia de anos atrás quando a Eon Productions pegou novamente em James Bond decidiu, por alguma razão, que iria definitivamente cortar com os  filmes anteriores por serem demasiado imaturos e plebeus para os standards do ultra-realismo de que padece o cinema moderno. Decidiu fazer-se um reboot de modo a reenquadrar Bond nos standards cinematográficos actuais (a 2006), adaptando a primeira aventura do herói. “Uau”, reagiu o mundo, “Agora sim, sem fantochadas. Sóbrio, como eu gosto do meu Bond!”. Dois anos depois Quantum of Solace continua a saga, limpando o rabo às suas origens extravagantes de Bond. negando sequer a existência de Roger Moore de poncho prestes a entrar em órbita com dezenas de jovens virgens num plano de repovoar o planeta ou os satélites de destruição maciça de Ernst  Blofeld e do seu gatinho persa Mr. Tiddles.

Seis anos passaram e entra em cena Sam Mendes, realizador cuja bagagem lhe permite alguma folga criativa, nunca deixando (atenção) de ser um tarefeiro. É apenas um tarefeiro premium. E com Mendes dá-se a des-reebootização, volta a meter-se Bond nos carris e acabar com essa insanidade de entrar com Bond pelo Arthouse adentro. Algo que louvo, note-se, porque Bond sempre me acompanhou desde que me lembro de ver cinema, desde o faux Bond Never Say Never Again às galhofices de Pierce Brosnan. Horríveis ou satisfatórios, progressistas ou tradicionalistas, excêntricos ou contidos, em cinema ou VHS (ou DVD), despachei-os todos sem fazer nenhum esforço. Neste ponto tiro o chapéu ao Sr. Mendes, que além de corajoso realizador é também o copulador oficial de Kate Winslet, que não sendo nada de impressionante também não é nenhum estafermo.

A tendência da res-rebootização deverá alastrar-se agora que, após os reboots deslavados a que temos assistido, os fans começam a desejar sentir o fulgor de outrora, por mais azeiteiro que seja esse fulgor. Star Trek deverá abordar essa linhagem, num esquema de “Ah, ok. Pois, reboot… err… Mas é só para provar que mesmo mudando o time and space continuum o destino (e o l’amour toujours l’amour) acaba sempre por encontrar um caminho de dar equilíbrio ao universo e ceder ao dinheiro fácil do confortável happy ending previamente testado com sucesso”. Isto do ponto de vista meramento especulativo de alguém que não precisa de provas para afirmar o que quer seja. Adiante.

“E novo Bond? É alguma merda de jeito?”…

…gritam as vozes imaginárias na minha cabeça. Há filmes que têm todas as características para não desiludirem, mas por um ou outro pormenor a experiencia não encaixa tão bem como devia. Aqui há dois pequenos pontos que sabem àqueles pintelhinhos que ficam colados ao fundo da língua que apesar do reduzido tamanho são difíceis de tirar e de persistente incómodo. O plano do vilão é um deles. E é incómodo porque é o típico superconfiante plano que carece de uma complexa confluência de coincidências e improbabilidades para resultar com uma eficácia cirúrgica, e que só o conhecimento profundo na imprevisibilidade da mente do oponente permite gerar a rede de voltas e reviravoltas necessárias para o sucesso. Outro ponto irritante é o uso de tecnologia. Eu sei que a tecnologia tal como existe não tem o glamour necessário para o efeito technopunk que Hollywood procura num hacker. Mas daí a terem criado um rede de switchs e routers com cablagem suficiente para alimentar 15000 pontos de rede e o único PC visível parece ser um Intel 386 DX a 25Mhz sem processador matemático com listagens de directorias em MS-DOS e scroll eterno num monitor na vertical. Ainda por cima sem um único sistema de refrigeração num clima tropical? Hediondo. Os ataques de hacker feitos por um designer em macromedia flash não aumentam a credibilidade. Assim como a modelação dos algoritmos computacionais criado pelo pequeno hipster para a encriptação. Buzzword heaven.

Mas no geral está despretensioso e eficaz a atingir o fim a que se propõe. Back to basics com Aston Martin com o sistema de ejecção de passageiro e metralhadoras no faróis, o preferido de toda a gente. Acção desenfreada com look and feel analógico porque se evitou o uso de efeitos digitais, os tais que envelhecem muito rapidamente.

O melhor vilão Bond de todos os tempos. Tão bom que põe em causa décadas de viril masculinidade do agente preferido de sua majestade, assustador e credivelmente maléfico (mesmo sem gato), tão bom que sentimos pena do seu plano improvavelmente elaborado ter falhado. Javier Bardem, o Joaquim de Almeida espanhol, nuestro hermano de los caramelos preferido (hoje).

Ainda não sei se gostei do início da explicação da origem de Bond, o futuro e o seu desenrolar o dirá. Aquelas relações familiares metafóricas não convencem. Mãe, filho, enteado, orfão, irmã e meia irmã. Reflectir demais nesse tópico desemboca invariavelmente em relacionamentos incestuosos, sendo que o verbo desembocar foi usado em múltiplos sentidos da expressão, “tirá-lo da boca” incluído. Ao estilo de “desabrochar”.

 Imagens perfeitamente gratuitas e fora de contexto da Bond Girl Bérénice Marlohe .

4 Comments

  1. Katano

    Eh pá, aquela receita do “Eu vou levar a cachopa para o meu ambiente natural (na Escócia) porque só lá a consigo proteger devidamente” não é assim como que um cliché resultante de uma misturada “Crocodile Dundee 2 meets The Highlander”, só que com uma velha em vez de uma mais nova, só naquela do disfarce?

    E se mais dúvidas houvesse, aquela tirada final do “Last rat standing” é uma cópia mal disfarçada de “There can be only one!”. A diferença é que não rolou uma cabeça no final.

    Isto para não falar desta ideia peregrina de fazer a reposição das personagens clássicas do JB na actualidade e que não lembra ao diabo. Está aqui criado um paradoxo que vai encher os bolsos à Bayer! .

  2. jc

    O texto é magnífico. Parabéns! Quanto ao filme, eu estou farto do ultra-realismo, e preferia o Bond caricaturável, aquele que saltava de aviões sem pára-quedas para os roubar em pleno voo. Por alguma razão esse tinha mais miúdas que este. Esta psicanálise barata do Bond ainda a braços com traumas de infância, ensona-me.

  3. Paulo Fernandes

    Hear, hear

  4. Rui

    Sabes como terminar um post lindamente (” Imagens perfeitamente gratuitas e fora de contexto da Bond Girl Bérénice Marlohe .”) :))

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