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The Hobbit (2012)

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Estava o ano a chegar ao fim e tinha estreado o Hobbit. 2012 não tinha sido generoso em bom cinema, pelo menos do que vem de Hollywood. Reboots, sequelas e prequelas são o novo cancro do cinema americano. São tão contagiosas que aportuguesamos esses termos sem sequer perceber que sequela e prequela não são palavras que honrem Camões e a sua língua. Nem com o acordo, note-se. Já passou mais de uma década desde que a febre do senhor dos anéis se apoderou de todos nós e na altura, influenciado por uns amigos, juntei-me ao autocarro da irmandade do anel. Nunca tinha lido o livro, não interessava nada. Andava numa fase William Burroughs e Jack Kerouac, pelo que Tolkien era tudo menos adequado á situação. Na estreia absorvi o fervor dos fanboys e fui logo a correr feito parvo. Vi-o no Cineteatro Avenida, um cinema à moda antiga, sem pipocas, sem intervalo, quase nenhuma publicidade. Escuridão total e uns senhores que nos escoltavam ao lugar com uma lanterna para não estragar a sessão aos vizinhos. Gostei do filme, apesar de longo. Na altura fumava, pelo que 3 horas sem colocar umas moléculas de nicotina nos receptores de serotina dava a sua dose de suores frios e inquietação. Aguentou-se, estes períodos de abstinência fazem parte do vício . O filme, Fellowship of the Ring, tinha algumas coisas que me aborreciam. Muito andar, cenas atrás de cenas de imagens de helicóptero da rodar em cima dos heróis caminhantes. No entanto o que mais me irritou foi Frodo, com aquele permanente ar de sofrimento digno da Joana d’Arc de Carl Theodor Dreyer. Com o tempo o aspecto sofrido do pobre hobbit tornou-se insuportável, como se estivesse preso e constantemente a ser violado por um gang de traficantes de droga caboverdianos e a experiência lhe estivesse a ser, surpreendentemente, agradável. Andar, sofrer, fugir dos ladrões que se escondem nas matas, todos os ingredientes de uma ida a Fátima a pé.

Bem, no final de toda esta ponderação fui ver o Hobbit, 3D. Esqueci-me de trazer um dos mil e seiscentos pares de óculos que tenho num saco à espera de mandar incinerar. Bilhete, taxa e óculos, uma fortuna ir ao cinema ver filmes em 3D. Não admira que façam um sucesso de bilheteira, com cada pessoa a pagar dois bilhetes. Bela artimanha, senhores pensadores do capital cinéfilo americano, parabéns.

Cheguei mesmo em cima da hora, porque faço questão em chegar sempre 15 minutos atrasado para não levar com apoteoses teenagers da Pepsi e o hipster-chique da Vodafone. Estava mesmo a começar. Sentei-me, meti os óculos e começou logo uma vertiginosa cena com túneis, minas, castelos, paisagens exuberantes, pessoas a correr e a gritar, ataques de dragão. Tudo rápido demais para o meu velho cérebro assimilar. A câmara voa a 200kms hora, roda em X, Y e Z e dança o fandango à volta dos anões em chamas sem nunca sequer deixar que os nossos olhos contemplem o que quer que seja. Tudo animado digitalmente, narração épica, música gloriosa. Parecia um misto de jogo de Xbox com o Noddy. Temi o pior, pensei que iria ser aquela merda até ao fim, estilo Pixar mas sem narrativa condigna. Depois amainou. O Shire e os Hobbits e começou aquela que seria a exacta sequência do Fellowship of the Ring, para ninguém estranhar. “Batalha épico nunca antes vista” como gancho de apresentação, Shire, convencer o Hobbit a viajar, juntar uma malta porreira para a demanda, encontro com os elfos em Rivandell, percurso pelas montanhas abortado, plano B pelas minas e os seus mil perigos, You Shall Not Pass,  encontro com Orcs a cavalo nas planícies, correr, saltar, fugir e acabar com os nossos heróis a olhar para o Monte Doom  a Montanha Solitária.

Hobbit revela-se assim um enorme fardo de palha, com cenas e mais cenas extra para oblongar a experiência de transformar 135 páginas de livro em 9 horas de filme, tudo é demorado e levado ao limite da paciência. Sempre com a câmara a rodar, a saltar, efeitos Corel Draw em background, eye candy e acção desenfreada a cada 5 minutos. Tudo isto porque os potenciais fãs deste filme poderiam adormecer se as conversas fossem feitas normalmente.

É clara a diferença entre a trilogia Lord of the Rings e esta. Não há amor e minúcia, não há a cumplicidade com a obra e os fãs, não há o detalhe e a textura orgãnica, não se sente o cheiro a relva nem o frio da neve. É CGI e algum dele inferior à primeira trilogia. Detestei que aproveitassem os cameos para encher chouriço, para fazer sorrir os fanboys em crise hormonal e até quando aparece a música do LOTR original me deu diarreia.

Doloroso de ver, mas tinha que ser feito. Nunca o iria ver em DVD, Bluray ou piratão. Simplesmente não teria paciência para o ver de uma única vez. E antes que comece a dar quinze em quinze dias na SIC depois do Natal de 2013, é melhor ver no único formato suportável, a cadeirinha do cinema.

A conversa vai longa, mas resta-me uma questão: Porque é que o caralho das águias não os levam até ao monte? Não digo que os enfiem lá dentro, mas ao menos não os deixavam a uns 10 quilómetros. Não lhes custava nada, eram mais 10 minutos de voo.

5 Comments

  1. Pedro Amaral

    http://www.howitshouldhaveended.com/videos (Tanto o The Hobbit como o LotR)

    Pelos vistos não és o único com a mesma pergunta…

  2. acidpt

    Até agora a explicação oficial foi “as águias são animais demasiado nobres e independentes e estão-se a cagar para os hobbits”. Sim, é tão estúpido como parece.

  3. pedro

    Já li várias explicações, mas até agora nenhuma que faça sentido. As águias são o Deus ex-machina do Tolkien, a chave mestra que o tira dos becos sem saída.

  4. jc

    Faltou referir o maior defeito do filme: Quase não se vêem elfas. Elfas daquelas lindas de bradar aos céus, de vestidos de seda esvoaçante que deixam adivinhar formas esculturais, sem um cabelo desalinhado ou necessidade de retocar a maquilhagem. Aliás penso que Tolkien imaginou as elfas como o ideal de mulher. Nunca se ouviu uma elfa dizer ao marido “já vais outra vez sair com os teus amigos, para beber cerveja e matar orcs dias seguidos? E a louça ainda por lavar? E já te disse que a porcaria da lâmpada do corredor precisa de ser mudada”. Nada disso, se o sr. elfo chega com um bando de amigos bêbedos e jujos, elas ainda sorriem, e brindam-nos com qualquer comida mágica de aconchegar o estômago mais desconjuntado após um pré-coma alcoolico. Bom, resta esperar pela parte dois, e uma elfazita ou duas que animem o filme.

  5. gforce

    Para quem até não gostou muito da trilogia , era quase impossível gostares do filme do “hobbit”! Para quem já leu os livros, este hobbit tem várias coisas tiradas de outros livros, logo não considero palha. Para quem realmente gosta deste mundo e não leu os filmes penso que é bastante compensador! Há cumplicidade com os fãs, apenas tu não és um deles por isso não entendo como consegues opinar sobre tal assunto se até só gostas mais ou menos da trilogia!! Não considero acção desenfreada se até há vários “enchimentos do chouriço” como dizes, um bocado contra-senso não? Dou-te o exemplo das adivinhas, no meu relógio essa cena passou claramente dos 5 minutos sem haver acção desenfreada poderá ter havido acção mas nas emoções das personagens (uma excelente cena aliás). Peço só um bocado de senso quando se critica algo.

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