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Suspiria (1977)

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Ver filmes de terror na noite de Halloween é uma tradição muito portuguesa fortemente enraizada nos nossos costumes e cuja origem remonta ao distante ano de 2009. É surreal a maneira como uma tendência que conhecíamos apenas dos filmes americanos de repente se transforma num segundo carnaval neste jardim florido de lusofonia, numa medrança exponencial violentamente interrompida por um feriado que foi considerado, unilateralmente, supérfluo. Foi nesta tendência que embarquei este ano, de ver um filmezinho de terror antes de me fazer cedo ao vale de lençóis que havia que acordar cedo no dia seguinte para picar boi. A época é fértil em lançamentos novos e reedições, daí que tenha escolhido um Argento perdido que nunca tinha visto por uma daquelas razões que todos temos para ir adiando um filme. Suspiria foi a gema e em nada me arrependo.

Antes de mais é preciso colocar alguns pontos de ordem quando se fala deste filme. O argumento não é original nem viçoso e representação é desprezível. Sendo italiano e (a minha cópia) dobrado, sofre daquele estigma tão familiar a quem vê com frequência Western Spaghettis (por exemplo). Vozes fortemente equalizadas sobre um vazio de efeitos sonoros, uma leve falta de sincronia e uma frequente desadequação de casting vocal. Tirando isso, estamos perante uma peça de excepcional cinematografia.

A ninguém passa despercebida a banda sonora dos Goblin, uma intrusiva, perturbadora e omnipresente camada de som obscuro que fornece a atmosfera necessária a este filme, um profundo desconforto que nos coloca quase no mesmo ponto de agonia das pobres noviças que vão sofrendo, uma após outra, as mais miseráveis mortes. Não há pontos de repouso ou de fuga. A puta da música parece uma representação do próprio demónio e da sua aterradora presença faz lembrar o bardo do Asterix em versão Death New Age Core Metal Black Folk (com reverb). Contribui para a atmosfera, na sua quase totalidade e torna Suspiria num filme inesquecível, mas não fez aqui nenhum fã. Quase que apanhava no focinho porque estava a acordar os miúdos com, e passo a citar, “esse chinfrim infernal”.

Outro ponto de forte referência é o processo de revelação da película. A ninguém escapa a beleza da fotografia. Cores garridas, uma palete imensamente saturada, luzes fortes e certeiras, uma escolha exemplar e coerente de cenários e locais de filmagem. Durante anos correu o boato de que este filme foi filmado no lendário método Technicolor de 3 fitas. Um método pelo qual a filmagem é feita em 3 películas em simultâneo, cada uma capta uma cor, e depois é projectada com três fontes de luz (de cores diferentes) para dar o efeito de cor. Um engenhoso método arcaico de filmar a cores sem nunca sair do preto e branco. Mas depois dos anos 50 nunca mais ninguém filmou assim. O que Dario Argento fez foi filmar em película normal, como sempre fez, e usar algumas das poucas máquinas de revelar em Technicolor e processar o seu filme com essa técnica. Com a ajuda do jogo de luzes e dos cenários de alto contraste e saturação, o resultado é o apresentado.

Bem, e é isso que interessa no final, o resultado. E aqui o resultado é muito bom. Estamos perante uma peça de pura cinematografia, única na minha opinião, uma conjugação de vários factores de sucesso. Não é um filme narrativo, não é sua função esfregar a história na nossa cara, é um exercício de estilo, uma Giallo de ouro puro, uma filme que dificilmente alguém consegue esquecer. Nem que seja pelas trompas do inferno da banda sonoro.

Deixo uma pequena adenda com uma resenha livre, porque recebo frequentemente feedback de que falo de tudo menos dos filmes. Ora aqui vai. Uma noviça de delicados marmelos voa de Nova Iorque para a Alemanha para ingressar numa escola de Ballet de renome. No entanto morre-se muito por lá e os eventos começam a escalar a uma velocidade cada vez mais rápida até ao dia que a nossa jeitosa percebe que se calhar mais valia ter ficado em casa porque as professoras não são bem as funcionárias públicas cinquentonas afogadas em álcool e rancores de uma vida desperdiçada que estava habituada em casa. Apoteose de sangue e música infernal. Fim.

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1 Comment

  1. amigodeocasião

    desejo taquicardia a quem disser que falas de tudo menos dos filmes

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