Branco

Há uns meses atrás li com avultada tristeza a notícia de que o festival dedicado ao cinema português que se realiza anualmente em Coimbra foi cancelado por um conjunto de razões que não interessam para agora. Na sequência deste triste anúncio tive uma conversa com o Luís Alves e vim a perder quase toda a esperança de ver o novo filme dele aqui pelas terras banhadas pelas contaminadas  águas acastanhadas  do Mondego. Não desisti e usei bitch tactics para o tentar fazer sentir pena de mim de modo a que dissesse “Eu arranjo-te uma versão para veres” ao que ele respondeu amavelmente com “Eu arranjo-te uma versão para veres”. Fiquei todo contente porque a minha curiosidade estava em valores record, depois da excelente curta “A Cova” que tive oportunidade de ver na SIC Radical. Um dia depois recebi o bilhete dourado em forma de link num serviço de alojamento de vídeos.

Avaliar filmes de pessoas conhecidas é sempre complicado, corre-se o risco da dualidade avaliativa em caso de não se gostar do filme; mentir para agradar ou incorrer no paradoxo de Jay Sherman, quebrando violentamente para sempre as relações que tanto demoraram a criar. Felizmente no caso que aqui se documenta tal não é necessário uma vez que o novo filme do Luís é, na sua quase totalidade, bom.

Eu confesso que estava à espera de uma longa metragem. Aliás, criei essa ideia porque existe talento neste jovem para fazer uma longa acima da média. Ele sabe balançar entre a arte da cinefilia e as cedências necessárias para popularizar uma obra. Não estamos a falar de uma criança a quem lhe foi oferecida uma camcorder HD e se auto-proclamou “next big thing”. O Luís tinha um blog muito bom, daqueles blogs de autor, fora da onda de genéricos que parecem ter invadido recentemente a nossa blogosfera. O blog chama-se “Grandes Planos” e é possível ver lá a sua primeira curta.

Branco conta-nos a história de um homem desesperado, o tal Branco interpretado pelo grande Nuno Melo (o actor, não o político), revoltado por um conjunto de vicissitudes da vida e preparado para fazer mudanças drásticas. Os eventos decorrem em paralelo no seu bairro naquilo que parece uma tarde vulgar (de domingo?) que rapidamente se transforma numa eminente catástrofe.

Branco é, antes de mais, um espelho dos sentimentos que fervilham na sociedade portuguesa, transporta para o ecrã a essência de um povo em tempos de crise, todas aquelas mensagens do facebook e subsequente condensação ideológica em forma de personagem. Branco quer fazer algo em relação a isso e o resultado só não é surpreendente porque todos já conhecemos inconscientemente o fim desta história. Na realidade Branco somos todos nós e as nossas atitudes são uma, a consciência comum, o espírito de colmeia à portuguesa. Sim, eu sei que estou a ser um bocado estratosférico e pouco materializador mas não posso correr o risco de spoilar e vos fazer perder o fim.

A grande vantagem deste jovem realizador é a utilização de actores profissionais e um sentido de narrativa quer permite a quem vê o filme ter uma experiência completa de storytelling. O elenco aqui é muito bom. Tenho pena que o Fernando Ferrão não tenha sido mais utilizado. Nuno Melo é perfeito para incarnar a fúria da injustiça, Joaquim Nicolau é o orador de tasca, o arauto da demagogia e da revolta popular, enfim, uma bela gestão de recursos humanos.

E digo isto porque estou farto de ver curtas amadoras portuguesas que incorrem sempre em duas armadilhas comuns e às quais poucos sabem escapar. Em primeiro lugar a utilização de amigos e amigas como elenco. É barato e dá jeito para comer primas sedentas de popularidade e aquela vizinha esteticista que quer ser modelo e mete fotos no facebook em bikini, mas resulta sempre em personagens frouxas sem dimensão, incapazes de nos fazer identificar com os seus infortúnios, incapaz de nos fazer acreditar que do outro lado estão pessoas. E muitas das vezes em filmes com algum potencial técnico ou artístico, arruinado pela falta de matéria prima de representação. Outro erro comum é a finalização de uma boa ideia. Quantas vezes não se vê, associado a essa praga dos actores amadores com sonhos de Al Pacino, curtas com excelentes ideias que depois caem na falácia da estupidificação Hollywoodiana para consolidar o final? Muitas vezes com um desnecessária tiroteio, perseguição de carros, como num teledisco de rap ou outro qualquer subterfúgio narrativo sem nenhuma relação com a realidade nacional onde o filme pretende ser passado. E é isto que o Luís não é. Ele leva isto a sério e tem a noção da cinefilia e daquilo que pode ou não colocar nos seus filmes.

Algo que não gostei, ou não percebi porque às vez o talego que há em mim não deixa o pouco cérebro que me resta raciocinar, foi a escolha da fotografia e do esquema das cores. Não é algo que esteja mal feito, é a opção estética do Luís. Diferentes tonalidades para diferentes contextos. Eu não o faria. Mas, pensando bem, eu não faço nada e ainda venho mandar bocas para quem faz. Anyway, desta vez penso que o Luís merece realmente a longa e cá estaremos para o ver crescer ou, se correr mal, para o acompanhar com umas valentes canecas de cerveja porque no final o que conta é mesmo o calor do relacionamento humano. (sem paneleirices, note-se!)