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Roar (1981) – Quando o cinema é um número de circo

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Filmes há que não valem um pisso, mas que transportam consigo toda uma aura de freakshow ambulante, capaz de os catapultar para a história da sétima arte nos capítulos da bizarria. A extraordinária incredulidade estará em perceber como tal extravagante lavagante  pode ser alguma vez projectado num ecrã de cinema. Pior, como é que no processo alguém idealizou, aprovou e efectivou tal obra. Hoje é uma dessas singulares ocorrências que aqui vos trago. Roar é o brainchild da actriz de The Birds (Tippi Hedren) com o produtor de Exorcist (Noel Marshall). Ora, depois de uma viagem por África, em comunhão com a natureza no espírito dos 60s, apenas as ervas não estavam a salvo deste voraz casal que se apaixonou por uma moradia colonial abandonada no interior de Moçambique. Nesse casebre abandonado por portugueses que haviam já consumido a sua zona de influência morava agora um família de leões. Faziam daquelas luxuriantes ruínas o seu lar. Consumidos pelas drogas que lhes inseminavam o cérebro de conceitos de elevada abstracção, estas alminhas sonharam fazer um filme em que uma família normal, com as suas tropelias do destino e as suas rotinas mundanas, partilhavam o lar com 100 animais selvagens. Seria a estreia de Noel na realização, um conjunto de actores de renome com 100 animais selvagens não domesticados. Leões, tigres, panteras, jacarés, elefantes… Enfim, nada que pudesse à primeira vista correr mal.

A bordo deste projecto entraram nomes como um jovem Jan de Bont na equipa técnica,  Melanie Griffith e Tippi Hedren como cabeças de cartaz e outras cabeças menos conhecidas que haveriam de servir de afia-dentes a estas poderosas criaturas. A premissa do filme é tão simples como idiota: um activista dos direitos dos animais adopta uma multitude de animais selvagens na sua propriedade na Califórnia rural, os supracitados 100 animais selvagens com pouca inclinação para as boas práticas de conduta social, para os proteger da caça selvagem quando o seu habitat se encontra em perigo. A partir daí as aventuras desta rocambolesca família desenrolam-se dentro desta esfera de incredibilidade.

Haveria de demorar 12 anos para estrear e as dificuldades apinhavam-se. Para contornar a cinematografia que parecia não querer colaborar com o conceito inicial, mudou-se a abordagem para um estilo mais home movie, como se fosse um filme de férias. Adoptou-se o estilo de documentário. Zoom, câmaras múltiplas para evitar repetições, precaução com a bicharada. As coisas começaram a correr horrivelmente mal quando os animais decidiram alimentar-se da imensa massa humana que compunha a equipa de filmagens. 70 pessoas foram hospitalizadas. Jan de Bont viu o seu escalpe arrancado por uma fera brincalhona e teve que ser alvo de cirurgia complexa para lhe recolocar a cabecinha no sítio, 120 pontos depois. Melanie Griffith foi atacada por um leão numa cena que acabou por ser aproveitada na montagem final e teve que fazer reconstrução maxilo-facial profunda. Pernas partidas por elefantes, gangrena provocada por más condições de higiene e repetidas unhadas de tigre, artérias dilaceradas, fracturas expostas, pulmões perfuradas, entre outras de um diversificado leque de carnificina.

O filme não deixa saudades, é reles, e toda a gente o vê depois de saber desta história. O tal freakshow, o número de circo. Não fosse isso e seria apenas mais um lavagante extravagante que floresceu de tertúlias de LSD e sexo em grupo não protegido ao som de Frank Zappa. Ninguém consegue abstrair-se e serve mesmo como jogo de shots, em que cada vez que um actor leva uma naifada a malta emborca meio decilitro de vodka. Note-se que apesar do dominante vermelho sangue que povoa a paleta do filme, nenhum sangue artificial foi usado na sua feitura. Foi sofrer pela arte para vos trazer o derradeiro filme de gatinhos, como a Internet tanto gosta. Chamemos-lhe kitty-snuff.

Deixo multimédia sortida e aquele beijo quente com forte bafo de bagaço a que já estão habituados.

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1 Comment

  1. Leandro Ribeiro

    VOU JÁ EXPERIMENTAR!

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