Jurassic-III_hearts

Esta semana terminei de ver um filme que comecei em 2001. Foi, muito provavelmente, o maior intervalo de tempo que acumulei para terminar um filme.  Jurassic Park 3, um filme patético e infantil de características marcadamente mercantis, cuja intenção seria apenas sugar dólar a saudosistas que 8 anos antes vidraram de emoção com o original de Spielberg. E só o fiz porque, num preguiçoso zapping pelos canais de cabo, me apercebi que nunca o tinha acabado. De imediato o meu primitivo cérebro me transportou para uma era diferente, para os vertiginosos tempos do início do milénio. Um tempo de leite e mel, de relações saudáveis, das tardes de café, das noites de verão esquecidas sob os plátanos da Praça da Republica, de ir trabalhar de directa com o cérebro apenas a apanhar estática. Antes do euro, antes que os compromissos da vida adulta me enraizassem nestas rotinas que me apodrecem as carnes e me toldam o espírito dia após dia (após dia), levou-me para uma época mágica, uma época em que se viveu a melhor de todas as histórias de amor, a minha!

Corria o Verão quente de 2001, o último Verão decente da civilização ocidental. Faltariam 2 meses para que o mundo invertesse a rotação para dar inicio à grande regressão. Falo do 11 de Setembro. Nesse Verão trabalhava, como em todos os Verões. Porque naquele tempo os normies iam todos de férias em Agosto e a cidade ficava livre para mim e para os meus Droogies nos enchermos de Moloko no nosso Korova preferido antes de ver um pouquinho da velhinha ultra violência na sessão da meia noite do cineteatro Avenida.

Havia estreado o Jurassic Park III e alguns amigos faziam questão em ver. Adivinhava-se banhada, mas a maior parte eram geeks dos dinossauros e apenas queriam meter um check na trilogia. Ainda tínhamos a boca azeda do Star Wars Jar Jar Binks Edition e já só se falava em Lord of the Rings. Lá fomos. Cumprimentámos as senhoras da bilheteira e o porteiro da sala, pessoas com quem trocávamos saudações há largos anos, contrabandeámos umas barras de chocolate a medo e deixámos que o senhor da lanterna nos indicasse o lugar na sala. Se não sabem do que estou a falar, matem-se.

A sala estava fraquinha, que é como quem diz apenas umas 150 pessoas. Passava largamente da meia noite. Só alienados, amigos e aquelas pessoas que não sabemos bem quem são mas conhecemos de vista. Afinal isto é Coimbra. Não tenho a certeza, mas lembro-me vagamente de que o primeiro trailer foi aquele do Spiderman em que o helicóptero fica preso entre as torres gémeas de Nova Iorque. Já o tinha visto antes, mas nunca me fartava. Estamos a falar de uma época em que o hype dizia tratar-se do primeiro filme de super-heróis à séria. Entretanto cairam as torres e nunca mais de ouviu falar do trailer. E mesmo em cinema, durante uns bons 10 anos, foi assunto tabu.

Começa o filme e vejo a introdução. Ilha, música do primeiro, suspense e toca o meu telefone. Foda-se, quem será a esta hora? Já é quase uma da manhã. Tirei o meu Nokia do bolso e de imediato um sorriso de orelha a orelha me ilumina o rosto. Os droogies reclamam “És um merdas, vens aqui para ver o filme ou é para falar ao telefone? Desliga essa merda, ligas-lhe no fim.” Eu acenei-lhes com o dedo do meio e ausentei-me a falar pelo corredor central acima para fúria daquela cambada de drogados que já deviam estar a dormir há duas horas. Saí e sentei-me nas escadas exteriores do cineteatro Avenida. A miúda que me telefonou era uma jeitosa que eu andava a cortejar. Fazia uns mesitos que lhe andava a arrastar a asa e foi a primeira chamada a tardes horas. E todos sabemos o que isso significa, não sabemos? Voz ensonada, só queria ligar para te dar um beijo de boa noite, meia hora de conversa. A pagar uma fortuna à TMN. A jeitosa é aquela que seria uns dias mais tarde a minha namorada, a minha esposa daí a 5 anos e a actualmente a mãe dos meus 3 filhos que, afortunadamente, tiraram a beleza à mãe. Mas são meus também, porque tenho um amigo que trabalha numa empresa que faz testes de  ADN e um gajo tem que se por a pau com estas coisas.

Depois da animada conversa lá voltei para o meu lugar na sala, de nenúfar em nenúfar, elogiando o penteado da senhora da bilheteira, dizendo ao porteiro que estava uma bela noite e saltitando novamente pelo corredor central adentro, com um sorriso tão acesso e incomodativo como um iphone com a luminosidade no máximo. Fiquei a olhar para o lado, a contemplar o bolor daquelas paredes alcatifadas que me pareciam tecer padrões de gatinhos a brincar com bolas de lã e rosas a brotar num lago límpido ao som de uma cascata onde sereias tocam clássicos de Led Zeppelin em harpa. Unicórnios sussurravam-me ao ouvido qualquer coisa que rapidamente percebi ser a brigada geek a achincalhar as mamas da Téa Leoni que me pareceu estranhamente apetecível mergulhada em fezes de Espinhossauro.

Nisto passaram-se 10 minutos e o telefone voltou a tocar e voltei a sair. No final do filme ainda fiquei nas escadas com os meus Droogies a chamarem-me coninhas e eu a dizer ao telefone “Não, não estás a interromper nada. Estava só aqui a fazer nada.” E 15 anos depois apanhei-o no SyFy e voltei a não prestar atenção. Além do filme ser indecente até para mostrar aos cães, com aquele final à cartoon de sábado de manhã, voltei a lembrar-me desta história e não me consegui concentrar. Nunca a contei à minha esposa porque esta personalidade latina não permite grandes exteriorizações de afecto. Antes entalar os tomates no armário da cozinha, chiça!