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Apesar de nunca ter sido grande fã de Tom Cruise, várias são as vezes que admito publicamente que é o actor que melhor gere a sua carreira. Tanto pela escolha como pelo papel de produção que desempenha quase sempre para garantir que as coisas correm como planeado, ou pelo menos como ele planeou. Este último Mission Impossible acabou por ser mais fraquinho que os outros, sendo ainda assim um blockbuster acima da média. Não por ser um bom filme, mas porque a média é baixa. E posto isto de parte queria falar-vos na nova tendência de investimento de dinheiros chineses em blockbusters. Reparei que Mission Impossible 5 foi produzido pelo China Movie Channel e pelo Alibaba Movies. Ora, não tenho nada contra as co-produções, sendo uma estratégia muito usada na Europa para unir esforços em pequenas produções para criar obras maiores, que de outra maneira não teriam possibilidade de existir. Com os blockbusters a conversa é outra. O próprio conceito de negócio é maximizar o lucro, vender produtos em paralelo e espalhar ideologias. O blockbuster americano já é um género muito condicionado em temas que pode abordar porque tem que abranger uma gama imensa de público para fazer dinheiro. Nos Estados Unidos são inúmeros os tabus, sejam religiosos, políticos ou morais. Todos sabemos quais são porque vimos blockbusters desde a nascença. Imaginem agora um pequeno exercício matemática de grupos, em que interceptamos os tabus americanos com os chineses e ficamos com uma lista ainda maior de tabus. Se mais um ou outra cultura quiser também investir (muçulmanos, indianos, tailandeses, etc) o âmbito de coisas a abordar tende para zero.  Fiz-vos uns gráficos para elucidar a questão.

Imaginem uma reunião de produção para um filme novo composto por interesses americanos, chineses, tailandeses e muçulmanos. Perdoem a pobre formatação de diálogos.

O americano faz um pitch.
– “Um soldado regressa a casa depois de 10 anos a lutar pela liberdade e …”.
Interrompe o chinês,
– “Bem, liberdade é capaz de ser um bocado exagerado. Porque não monstros do espaço?”.
O americano fica um bocado calado e continua:
– “Um soldado regressa a casa depois de 10 anos a lutar contra monstros do espaço. Abre uma cerveja e senta-se no sofá…”
– “Álcool não!”, retorque o muçulmano.
– “Ok. Um soldado regressa a casa depois de 10 anos a lutar contra monstros do espaço. Abre uma coca-cola e senta-se no sofá…”
Cof cof, tosse o chinês com ar reprovador.
– “Abre um garrafa de água e encomenda dois hamburgeres pelo telefone”
– “De vaca não”, diz o Indiano
– “Ok, de porco.” Anui o americano
– “De porco o caraças. “Enfurece-se muçulmano.
– “Então o que propõem?” Irrita-se finalmente o americano.
– “Vou tentar propor a versão final”, diz o tailandês. “Um soldado regressa a casa depois de 10 anos a lutar contra monstros do espaço. Tira um copo de água e senta-se no sofá. Encomenda um hamburger de tofu light com salada biológica e deita-se comodamente enquanto uma loura bombástica com um enorme e latejante pénis lhe faz um felácio e lhe coloca dois dedos no…”
– “Epá, foda-se… Que abuso!” – Dizem todos.
– “Ok, ok…” corrige o tailandês, “hamburguer de lentilhas e tomate seco”.

Penso que por esta altura já perceberam o paradoxo do blockbuster co-produzido, que neste caso torna o filme brando e sem sal. Proteger os interesses e os tabus de duas culturas tão neuróticas como os States e a China não é fácil e deturpa sempre a qualidade já de si diminuta de um filme para as massas.  Já para não falar que fica confuso na hora do product placement porque depois não sabemos de onde encomendar aqueles ténis  neon com bluetooth de marca Xiaomi.

Bom, para que não achou piada à gaja do pénis, deixo então os gráficos.

Caso 1. China e EUA fazem um coprodução para as massas. Um circulo define o que a China deixa abordar e o outro define o que os EUA deixam abordar. O espaço comum é aquilo que se pode realmente abordar:

grafico1

Caso 2. À produção junta-se a Tailândia. Do mesmo modo cada circulo é um país. Aqui torna-se claro que gajas com pénis estão de fora da fórmula.

grafico2

Caso 3. Junta-se o Iemen à produção:

grafico3Como podem ver pela clareza da apresentação, o espaço para assuntos que se podem abordar neste blockbuster reduz drasticamente para o quase zero. Que é o tal tofu light sem glutén biológico sem leite nem ovos cinematográfico.