Arrival (2016)

“Onde estavas aquando da chegada dos extra-terrestres?” será a pergunta mais feita pelos terráqueos naquele intervalo de 3 semanas que separa a chegada dos nossos amigos do espaço sideral e a obliteração total da vida na Terra. E como nos preparamos para isto? Será possível executar essa preparação sem parecer um tolinho da conspiração? É na continuação deste simulacro conceptual que Denis Villeneuve assenta o seu exercício imaginado materializado em filme semi-blockbuster de época baixa Arrival.

Ao se fazer um filme em regime de blockbuster ou implantado à sombra do fantasma do box-office é preciso fazer um conjunto de compromissos. Não querendo alhear o público que é o ganha pão de toda a indústria mundial de cinema, um talentoso autor amarrado às grilhetas das convenções contabilísticas terá sempre que ceder em termos narrativos. Simplificar e amarrar a estrutura a uma norma reconhecível por todos, tanto o Dr. Silva da mediateca de estudos cirílicos da Associação dos Amigos da Minerologia Holística como o Celso Perneta que vai ao cinema com o dinheiro que lhe sobra de um dia a estacionar carros e a vender bicos a 2 euros a funcionários das Finanças. Ora aqui o Denis faz um belo trabalho, dentro de limites bastante cerrados consegue criar um obra em camadas que pode agradar a uma miríade de cinéfilos.

Arrival conta-nos a história de uma especialista em linguagem puxada para resolver um enigma linguístico aquando da chegada de inteligência extraterrestre ao nosso planeta. Uma metódica doutora das línguas com complexos problemas pessoais no seu regaço. E assim começa o filme, neste negro registo que vai impor o tom geral do filme. Trabalhar incansavelmente para expiar os demónios que nos atormentam na noite. Este tom que eu, confesso, critiquei ao intervalo. E fi-lo por o ter achado forçado, por ter sido uma falácia narrativa para impor com artificialismos o ritmo do filme e manter aquele constante piano pendente sobre as cabeças dos nossos amados personagens. Muito me enganei nesta asserção, porque quando chega o filme ao fim percebo que era propositado, que Denis me enrolou bem enroladinho nos meus preconceitos. E esta é apenas uma das muitas qualidade deste magnífico filme sobre o qual não se deve filosofar em demasia para quem ainda o não viu.

Em termos de ritmo e distribuição dos pontos narrativos estamos bem servidos, como tão bem sabem aqueles que seguem o realizador. O tempo demorado a construir as cenas, o investimento na viagem em detrimento do destino, uma espécie cinema tântrico de gama de entrada. Os silêncios a falar mais alto que os discursos, até porque os diálogos entre humanos não são nada de excepcional, talvez uma técnica para nos fazer preferir o silêncio e a linguagem não verbal. Não sei, este filme é todo em roda desta temática da linguagem e isto é malta que pensa muito nos seus filmes, que usa técnicas subliminares para nos mostrar coisas. Talvez seja tudo propositado, talvez sejam falácias nos nossos cérebros que associam coisas inassociaveis. Talvez seja coincidência, como quando sobrepomos música a um video e por magia parece que tudo combina.

Villeneuve trata do tema com mestria. Estamos cansados de ver o acompanhamento global das invasões extraterrestres, com presidentes, lideres do mundo, belicismo e militares a distribuir fogo de artificio, o impacto no povo humano, os monges do tibete a ver TV CRT à luz da vela, as crianças de Africa a sorrir num TV ligada a uma bateria de carro, os franceses ao lado da torre Eiffel e os americanos a mamar cerveja mijoca nos bares. O herói do povo, homem comum, que representa todos aqueles a quem a esperança abandonou e num rasgo da mais pura improbabilidade acaba por ser o herói de toda a civilização, responsável por guardar intacta por mais uns anitos a herança da humanidade. Até à sequela, pelo menos. Mas Villeneuve não abraça o todo, foca a sua investida num nicho específico, embrulhado em drama pessoal, tão poderoso como a eminente extinção. Usando o tema da comunicação para comunicar, algo que parece senso comum mas não é.

O fim é um propósito maior que a própria vida, a invocar um queixo caído de estupefação que só não acontece porque, convenhamos, foi um bocado martelado. Ainda assim engenhoso mesmo não sendo original.

Muitas são as influências de 2001, Contact ou Interstellar. Neste caso sem os malabarismos flamboiantes de Nolan com o típico “Hey, vejam o que eu sei fazer”. Denis senta-se na cadeira de realizador num canto escuro e deixa o trama dar-se, à procura do amor, sempre o malfadado amor, o sentido de toda a busca humana. Um maestro cuja missão é coordenar esta infinidade de variáveis e não ir à TV falar da sua genialidade usando óculos de um patrocinador.

Não é de todo livre de pecados. Não fiquei fã do casting por ter recorrido a actores que invocam para um imaginário de typecasting e demasiado cansaço visual. Ver o Arqueiro dos Avengers a ser um físico teórico que passa duas horas a apanhar bonés e depois desbloqueia o grosso do enigma enquanto outros dormem nuns despachados 2 minutos de “despachar isto que se faz tarde” ou Forest Whitaker as himself. Além disso toda a gente espera que apareça o Superman quando a Lois Lane está em sarilhos com aliens.  Há também lá no meio um narração atabalhoada como que a resumir em 5 expositórios minutos aquela horita que ficou no chão da sala de montagem. O fim é fatela, foleiro. Não falo da conclusão do filme, é a cena que o encerra. Não é mau, não é horrível ou sequer mal feito. É broeiro, azeiteiro, sopeiro, uma recompensa para quem vai ao cinema receber o docinho do final feliz, aquela réstia de RomCom que nos mete as fêmeas receptivas ao coito e os machos um passo mais perto de aceitar a fatalidade dos compromissos. O amor tudo conquista, fim.

Só vi o trailer depois do filme e, com mil macacos, parece o autocarro do spoiler. Evitem ver este trailer, evitem ver todos os trailers. Vamos deixar de alimentar esta gonorreia cinematográfica que é o trailer de bandeja que explica tudo. Carago, é uma praga pior que aqueles macacos nos templos budistas.

“Onde estavas aquando da chegada dos extra-terrestres?”  A nossa heroína estava a dar uma aula onde explicava a importância da unicidade da língua portuguesa na literatura mundial quando apareceram os Extraterrestres. Porque há um limite para tudo.