Não há nada pior na vida que um gajo sentir-se um bardamerdas. Um gajo perceber que é um resto de uma bosta de cão agarrado à sola desta gigantesca bota cósmica onde viajamos pelo espaço/tempo. Talvez nem um resto de bosta sejamos, reavaliando a metáfora será mais apropriado dizer que somos um electrão de um átomo de carbono de uma molécula que compõe esse minúsculo pedaço de bosta. Como desejamos ser um pedaço de bosta a sério ou, sonhando muito alto, uma bosta inteira numa sola da bota celestial na qual estamos agarrados a viajar pelo espaço/tempo. Para que a humanidade possa sentir-se melhor existe a ficção e dentro da ficção o cinema. E dentro do cinema aquilo de que vos vou falar a seguir.

Há cerca de um ano chamaram-me a atenção para um trailer com a indicação “acho que vais gostar”. Começou pastelosamente com a Anna Hathaway a ser uma trintona solteirona e a ser também uma adorável trapalhona. Olhei para o calendário e não era primeiro de Abril. Continuei. De repente a adorável trapalhona com a feminilidade maximizada (estava em início de gravidez, curvinhas encantadoras) vê nas notícias que um Robot gigante saído diretamente do UltraMan apareceu na baixa de Seul e causou níveis consideráveis de destruição. Mais! A Anna reparou, depois de um conjunto de elaboradas peripécias, que o robot era controlado por si. A adorável trapalhona de feminilidade maximizada controlava um robot gigante assassino no outro lado no planeta. E no fim a cereja no topo do bolo, realizado por  Nacho Vigalondo. Mamilos erectos…

Nacho quê? Nacho Vigalondo é o realizador de um dos meus filmes preferidos de ficção científica de viagens no tempo, o Cronocrimenes. Conhecido também pelo titulo internacional de Time Crimes. “Ok”, pensei, “estou a bordo”.

E voltamos então ao parágrafo que aqui nos trouxe. Esta obra de ficção fala-nos da infeliz sensação de sermos merdas sem valor. Deprimidos ao perceber que a nossa função no grande esquemas das coisas é perpetuar o nosso código genético para maximizar a infecção humana no planeta Terra. Parasitas controlados por uma força primordial e pré-programada que nos transcende. Merdas sem valor incapazes de controlar o próprio destino. Com ilusão de que há ordem. Ignorar o caos no centro da sala. Parasitas e merdas sem valor que de repente representam o Player 1 no jogo da humanidade. Anna Hathaway é a ponta de lança das nossas fantasias de grandeza. E as nossas intimas fantasias são um excelente combustível para a ficção e aqui está um belo exemplo disso.

A personagem de Anna vê-se numa situação miserável de vulnerabilidade social e psicológica. Volta à terra que a viu crescer onde é ajudada por um velho amigo, um rapazola que a ama mas que ela empurrou para a temível e irreversível “zona da amizade”. Daí até ao robot gigante em Seul vai um passinho e as coisas complicam-se quando o Player 2 entra na arena.

Vigalongo faz aqui um excelente exercício de projecção de personalidades, transformando a baixa de Seul num sofá da psicanálise  e atropelando meio país no processo. Anna Hathaway faz o que tem a fazer para o seu papel brilhar mas é de Jason Sudeikis que vem uma rica surpresa. Não falo mais disto para não spoilar.

Para quem não interpreta isto como uma materialização de personalidade ou uma exteriorização de traumas sob a forma de objetivação do subconsciente, temos também um ângulo bastante interessante do mundo dos Robot Gigantes da linhagem das séries japonesas. É o filme que Judd Apatow desajaria fazer e em que Seth Rogen mataria para entrar. O estilo deles em bom.

É um bom exemplo de filme cujo objectivo é o personagem superar os seus medos e só é ligeiramente arruinado na fase final por excesso de explicação. Vigalonga achou necessário dar um background lógico à insanidade surreal a que estamos a assistir e o filme não precisava disso. Seria uma boa cena apagada do DVD, vá.