Numa época pós-reality TV, do direto e da reengenharia do realismo as pessoas começam a confundir-se com o que é a realidade. O que é uma narrativa realista, estamos perante algo plausível ou é uma fantasia sexual encapsulada e reprimida de um argumentista drogado? É demasiado polido para ser um relato do quotidiano? “As peças narrativas encaixam demais? Já me enganaram estes malandros.” E por vezes andamos nisto, neste ping pong do pós-neo-pré-meta-ultra-hiper-micro realismo. E claro, como tudo o que discute hoje não tem interesse nenhum. É o discurso estéril destas redes que nos aprisionam a conversa num curral que parece não ter portas nem janelas, onde o ar entra filtrado. Daí existir esta necessidade de falar um pouco de Three Bilboards não sei quê… Deixa googlar Three Billboards Outside Ebbing, Missouri.

A vantagem destes filmes independentes que saltitam do nada, como pipocas, é não termos que apanhar 6 meses de trailers e especulação. Aparecem, *pop*, e cá estão eles. Aprecia-se melhor esta experiência. É o caso deste filme de nome muito longo e bizarro.

Resumidamente, conta a história de uma mãe enfurecida com a incapacidade da polícia local em dar respostas ao crime que lhe levou uma filha e que aluga 3 outdoors para enxovalhar as forças policiais de modo a que tenham o estímulo para terminar o processo de investigação.O destino enfaixa-se assim neste plano e dá origem a um tufão de situações não previstas, efeitos secundários e o velho switcharoo.  Não é um twist M. Night Shiamané. Falo de mudanças comportamentais, de mentalidades e a tal redenção que agora tanto se procura. Dentro e fora da tela.

E de facto, lá está, o argumento tem alguma densidade de temas quentes bem compactados em 120 minutos. Racismo, violência policial, luta de classes, violência doméstica, disfunção familiar, etc. Está lá tudo. Não demasiado óbvio, mas basta descascar a primeira camada para lhe ver a estrutura. Ainda assim é um excelente filme, com um elenco no pináculo da sua capacidade artística, uma cinematografia serena e bela. A narrativa é uma força de descoberta, como um porco que apanha trufas onde nem imaginávamos que pudessem estar. Descola em direção a um destino e aterra noutro.
Claramente atirado ao mercado de inverno para caçar o Oscarzito, mas desculpa-se porque de facto é uma obra de excepcional valor. Como que esculpida por um hábil artesão e vendida numa daquelas lojas finas da baixa que só precisa de vender uma peça por dia para rentabilizar o mês.

A moral da história, ao contrária da interpretação redentória, acho-a perigosa. Tipicamente americana, da busca do herói e da arma como ferramenta narrativa. Já dizia o outro, Uma Arma e Uma Miúda Gira é tudo o que precisas para fazer um filme. Neste caso uma talentosa, envelhecida e encarquilhada Frances McDormand.