Apesar desta crise artística e criativa que afecta o cinema português desde 1895, é errado dizer que tudo o que cá se faz não passa de um nefasto agoiro, capaz de meter medo ao susto. Há obras ocasionais que fazem levantar o sobrolho. Vi este Odete sem esperança, sem um único pingo de expectativa, preparado para a mais abominável obra alguma vez concebida por um ser humano, capaz de provocar farto vómito a alguém que esteja há duas semanas em greve de fome. E em parte até acertei. É retorcido e disforme. Bizarro e animalesco. Doentinho. Mas no bom sentido.

Antes de mais Odete é um exercício de insanidade, uma viagem ao fundo da demência que é necessidade permanente de atenção, de se ser especial. João Pedro Rodrigues cria uma teia de personagens fora de sincronia do mundo que as rodeia que acabam por criar as mais improváveis relacionamentos. Daí para a frente somos enrolados numa densa névoa surreal que não nos permite sequer chegar ao botão de Stop de controlo remoto.

Dentro das misérias que se têm visto aparecer no panorama nacional, Odete é um filho único de características próprias. Não se guiou pelas folhas de estilos americanas e enveredou pelo seus instintos mais viscerais, criando um mal estar tão omnipresente como a própria loucura, quase palpável. É também certo que não é um filme para toda a gente. Também não é um filme para todas as ocasiões. É preciso que haja um alinhamento de situações que permita usufruir da sua singularidade, caso contrário pode parecer apenas a mais uma masturbação artística do seu criador.