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The Man with the Iron Fists (2012)

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Há uns meses atrás, numa daquelas conversas enfadonhas de pequeno almoço no trabalho com pessoas que não conheço muito bem, mas que também não faz parte das minhas ambições conhecer melhor, alguém quebrou as convenções ao sair do tema da meteorologia e disse “Vai estrear agora um filme do Tarantino, não é?”. Sem acabar de mastigar o croissant disse de boca meia cheia “Não é agora, o Django só estreia em Janeiro.” Os pedaços que cuspi enojaram um estagiária a quem nunca ouvi a voz.  O meu comparsa da secção de recursos humanos retorquiu disfarçando a rudeza “Não é esse, é um de karate.” Contornei a expressão “palhaço do caralho” e usei a diplomacia para explicar ao meu amigo sub-desenvolvido que era impossível. Disse-lhe que não era propriamente um Jedi do cinema, mas também não era nenhum Padawan. E que o próximo Tarantino era o Django e não se fala mais nisso. Ele olhou-me com aquele semblante de quem transborda imbecilidade e virou costas. Deixou meio galão e a torrada quase inteira que o colega dele se apressou a terminar.

Chegado ao meu gabinete tinha o Outlook cheio de avisos vermelhos de tarefas cujo deadline tinha sido já ultrapassado. O telefone tocava nervosamente e havia um rapaz pálido na sala de espera para falar comigo há 4 meses a quem eu arranjava desculpas semanais para adiar a reunião. Pensei na conversa ao pequeno almoço, mas optei pelo mais sensato numa altura de muito trabalho como aquela. Desliguei o telefone, fechei a porta e fui à Internet procurar provas concretas para provar àquele monte de merda dos recursos humanos que estava mais enganado que o que quarto rei mago à sua chegada ao Nepal. Havia de engolir as palavras todas, paneleiro do caralho. E deparei-me com este Man With The Iron Fists que considerei, após ver o trailer, o alienígena escaganifobético para 2012. Não era filme de Tarantino, realizado ou produzido, era algo semelhante a um patrocínio não oficial que o seu realizador, RZA, mungiu com extraordinário oportunismo.

RZA? Perguntam vocês perante esta designação a fazer lembrar uma marca de preservativos da extinta URSS. RZA só tem uma coisa em comum com a marca de preservativos, é o slogan: “Fode tudo onde entra”. Alguns de vocês devem conhecê-lo pela penosa performance monocórdica e entorpecida na época 5 de Californication.

Para explicar como funcionam estes rappers transformados em actores, vou dar um exemplo mais próximo de nós, o emigrante iletrado que guardava cabras numa aldeia esquecida para os lados de Carrazeda de Anciães. Vamos dar-lhe a designação genérica de Jaquim. O Jaquim guardava cabras para um tio e tinha os lombos afundados de tanta paulada levar da avó materna. Um dia, emocionado com o sucesso de Tony Carreira, fez as malas e foi visitar um primo em Carcassone. Arranjou emprego numa quinta a guardar gado, capar porcos e tosquiar ovelhas e ao fim de meia dúzia de anos juntou uma avultada conta bancária, fruto das horas extraordinárias e por nunca se ter voluntariado a repartir as contas com o primo que o odiava silenciosamente, mas considerava a família um valor sagrado e como tal era comer e calar.

O Jaquim decide comprar um BMW 520 em 2ª mão e aluga um estúdio em Bragança. Convida um tio que toca em casamentos e escreve as letras para um disco. Grava um CD no Verão e é tratado com realeza na aldeia, onde todas as pessoas que guardam cabras querem agora ter um BMW 520 e gravar um CD. Com os Rappers actores é mais ou menos o mesmo, criados na pobreza almejam ser admirados por todos. Ganham fortunas a vender CDs Gangsta Rap a pessoas que não sabem sacar mp3 da Internet e depois investem fortunas em projectos de Hollywood para serem heróis de acção em películas sem sentido absolutamente nenhum e sem razão para existir, além da óbvia artimanha saca-dolares que os produtores usam para lhes mamar as poupanças.

Chegamos finalmente a The Man with the Iron Fists (2012), um exemplo perfeito de tudo o que pode correr mal corre mal. Situado algures na China Feudal onde um afro-americano tem um belo negócio de espadas até lhe cortarem os braços. Russel Crowe aparece para salvar o dia com um braços cibernéticos de grande complexidade para o nosso herói (RZA) se poder vingar. Entretanto um grupo de prostitutas altamente treinadas nas artes do Ninjutsu fartas de ser maltratadas e de serem amadas com poucos preliminares, matam os clientes todos numa noite em que deveriam ter ficado a dormir. Um vilão inteiramente feito de aço (que apenas se manifesta quando açoitado) desfaz tudo por onde passa até deparar com RZA, que num momento “Feel the Force Luke” o mata para reencontrar novamente a paz e harmonia nos braços de alguém que agora já não me lembro muito bem.

A narrativa é confusa, hilariante, idiota e impossível de ser compreendida por um honrado chefe de família, como este vosso escriba, pelo simples facto de não poder tomar nenhuma substância alucinogénica para ajudar a ver maus filmes como antigamente. Não vão as crianças precisar do seu papá numa hora de necessidade e o seu papá estar a conversar animadamente com um pinguim imaginário que só se manifesta em frases começadas por H.

Já vi muitos filmes horríveis, como todos sabem, mas nunca a este nível de patetice. Tem o argumento de Eli Roth. Mas se pensarmos em Cabin Fever percebemos rapidamente que o homem não é propriamente no novo Shakespeare. Tem sido levado ao colo por amigos poderosos dentro da indústria e quando se vê num beco sem saída narrativa utiliza sempre o Deus Ex-Machina da ultra violência para distrair. Mais ou menos como o Tolkien e as águias.

Não o consegui ver todo, dei comigo a perder atenção e a virar-me para outras tarefas mais interessantes. Procurar pelos brancos de nariz com o espelho de maquilhagem da minha esposa, fazer um inquérito via SMS acerca do tamanho ideal para as patilhas de um homem quase a entrar nos quarentas ou analisar a tendência de combustão dos diferentes tipos de lenha elaborando um gráfico em papel quadriculado e medindo os tempos com um cronómetro comprado em 1991 num ataque de fúria consumista.

Se saltaram directamente para aqui em busca de conclusões, não quero que se sintam defraudados: o filme é uma merda.

1 Comment

  1. Pedro Pereira

    É realmente uma merda. Mas os filmes de merda também precisam ser vistos e como nem saem assim tantos filmes de kun-fu nos dias de hoje até estava expectante. Ao RZA recomendava que fosse ao Pirate Bay e sacasse uma coisa ou outra da Shaw Brothers, para aprender umas coisas.

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