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Num episódio de Parker Lewis Can’t Loose no início dos anos 90, Mike (o roqueiro musculado de inteligência limitada) perguntava horrorizado a Parker Lewis “Documentário? O que raio é um documentário?”. Parker, com a sua paciência descontraída e a infinita amizade por Mike respondeu “Bem Mike, um documentário é um rockumentário, mas sem rock.” Mike, afável bonacheirão, encolhe os ombros e eleva ligeiramente as sobrancelhas num esgar de compreensão. É de rockumentários que vamos falar hoje, mais precisamente do rockumentário de todos os rockumentários, ainda que em versão mocumentário, o lendário “This is Spinal Tap”que retrata a dura realidade da maior banda ficcionada de todos os tempos.

Em 1984 o grande Rob Reiner fartou-se de estar à frente das câmaras e decidiu dar o grande passo em direcção ao estrelato como realizador. Fez um pequeno guião e realizou uma peça de 20 minutos que iria servir de prova de conceito para mostrar ao estúdio o que significava “faux rockumentary”. O sucesso dessa apresentação foi de tal envergadura que além de terem dado o seu apoio incondicional, pedaços dessa produção foram aproveitados para a versão final do filme. Para quem não conhece, Rob Reiner era o estudante polaco hippie genro do ultra conservador de (quasi extrema) direita Archie Bunker no sitcom All in The Family (uma família às direitas na RTP).

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Assim nasceu “This is Spinal Tap”, a história de uma banda britânica  envelhecida que conheceu as glórias de outrora e que agora tenta o seu regresso ao topo numa ambiciosa tourné americana. Acontece que não estamos perante uma comédia banal. Décadas antes do florescimento do reality TV como lixo normativo, antes das antologias de bandas famosas em filme (o tal rockumentário) e antes dos falsos documentários. Mais ou menos na altura de Zelig, um filme nos mesmos formatos de falso documentário mas apontado a outro público. Ou seja, ambos mockumentaries, sendo que este se deveria chamar mockurockumentary para ser mais preciso.

O realismo era tal que a maior parte das pessoas nem se apercebeu que a banda era falsa. Os músicos eram verdadeiros, tocavam tudo o que aparecia no filme e até deram concertos. Quem já pertenceu a uma banda fica com pele de galinha com o realismo daquelas relacionamentos. A tensão entre os líderes da banda, a intromissão das namoradas, as falsas partidas, a esperança perdida, enfim, não é propriamente o glamour das Billboard e da Rolling Stone. Ozzy Osbourne terá visto o filme e permaneceu aterrado até lhe terem dito que era tudo a fingir, tal foi a identificação. Continuou aterrado, só que desta vez eram efeitos secundários da auto-medicação recreativa.

A química entre os membros da banda, manager e o próprio realizador do documentário, que é Reiner também, ajuda a este hilariante desfile de egotrips que só peca pela curta duração, 82 fulminantes minutos.

É um filme refinadíssimo, de humor implícito e agridoce, cheio de nuances calendoscópicas que ganha novas dimensões a cada nova visualização. De notar ainda que é o único filme no IMDB com a possibilidade de ser votado com 11 estrelas, apesar de não ser possível dar mais que 10.