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Chegou aquela altura do ano, aquela época festiva em que somos obrigados a engolir filme atrás de filme antes da cerimónia dos Oscars. Janeiro, um tímido e curto mês para enfardar biopics, “based on a true story”, aleijadinhos, entrevados, deficientes, o primeiro gajo a fazer não sei quê, a história cativante da primeira mulher a aventurar-se num submundo manhoso de homens, o regresso de um actor enterrado no entulho há vinte anos, a tentativa anual do Leonardo DiCaprio de ganhar um Oscar, as piadas à volta disso, aquele blockbuster caríssimo que é nomeado a três categorias técnicas e só ganha melhor som, uma criança que pode ou não ganhar e surpreende todos com um discurso inspirador, um blockbuster disfarçado de art-house que os parolos confundem e o filme do ano do Alejandro González Diñeiritu. E temos mesmo que os ver agora,  porque senão só daqui a dois anos na caixa do 0.99 do Jumbo.

Neste lote inclui-se em grande destaque The Revenant, uma inspiradora história verdadeira de sobrevivência do séc XIX que Alejandro González Diñeiritu inflacionou de efeitos especiais, grunhidos de Leonardo DiCaprio e uns pózinhos extra de ainda mais realidade para atacar directamente a noite dos Oscars. Uma belíssima viagem, muito bem filmada e tecnicamente irrepreensível pelos pastos da nova fronteira americana dos tempos em que os indígenas não haviam sofrido genocídios e a natureza ainda impunha a sua lei.

A história roda em torno de uma querela visceral entre os personagens de DiCaprio e Tom Hardy, uma perseguição pelas estepes gélidas do faroeste antes de haver pistoleiros, um caçador renascido e um vilão ganancioso, uma luta de gato e rato que desemboca num espectável desfecho que dá razão ao ditote de que a vingança se serve fria. Um tempos de homens duros, esculpidos pela crespidão dos tempos.

Filme de boas representações e beleza incontestável, uma rara cinematografia perfeita de luz natural que só não faria Kubrick orgulhoso porque tem muita batota digital. Recriar o faroeste selvagem do início dos tempos assim o exige porque agora é tudo prédios e antenas de telemóvel. Ainda assim bem disfarçada a tecnologia e agradeço a Alejandro não nos esfregar gratuitamente na cara os efeitos especiais, como fez em Birdman.

Uma bela película que não é isenta de pecados. É demasiado longo para a magra narrativa, perdendo-se entre a contemplação e os flashbacks, o excesso de culpa-branca que até a mim embaraçou e não tenho nada a ver com isto. Os planos longos e aparentemente contínuos, manha que já vem do Birdman, incomodam-me. Não por serem grandes ou por serem manha, mas porque o uso de grandes algulares a perseguir a acção e os personagens distrai, ficamos sem perceber o que atentar, se as belas paisagens, os ursos violadores, se as escaramuças de background ou o personagem que as contempla. Ora, a resposta talvez seja tudo, mas nisto do cinema e da limitada capacidade do ser humano para a concentração há que dar indicações certeiras. Não é este o filme nem a altura de dar liberdade ao espectador para tomar decisões.

É um bom filme, não é uma obra-prima. Nem sequer é a obra-prima de Diñeiritu e muito menos a obra do ano em contabilização para os Oscars. O filme do ano é Mad Max. É também o filme da década. Se forem daqueles cinéfilos que só querem ver os filmes da década, podem regressar apenas em 2020 quando começar uma nova que esta já está decidida.