Há duas coisas na vida às quais damos importância desnecessária. Temas que nos remoem o cérebro por dentro, que nos tiram o sono, que nos encharcam as noites de suor e nos fazem ponderar a existência com a pergunta obrigatória “Valerá a pena continuar?”. A primeira destas corrosivas ideias tem a ver com os filhos. Na gravidez, nos primeiros anos, na escola, no crescimento para adultos, em todas as fases nos questionamos constantemente acerca da sua saúde física, mental e social. De facto é só isso que queremos, um filho normal. Um malandrim que cometa as mesmas malandrices da média dos malandrins da sua idade. Não queremos desvios. E o certo é que os nossos filhos terão sempre uma peculiar varada na mona que nos faz sempre olhar para o âmago da nossa essência e concluir que de certeza é da parte da família da mãe. Ou seja, não vale a pena pensar se o nosso filho será normal, nunca é. E isso é bom. A segunda questão dilacerante que pode fazer implodir a própria sociedade e à qual a resposta é sempre não é “Desde que deixou de ser vocalista dos  Muse, fará o Adam Scott* algum filme de jeito?”

Little Evil é mais uma incursão da tentativa de dominação mundial do Netflix do cinema. Mais uma produção exclusiva que serve para substituir uma ida ao cinema. Valores iguais ao cinema, produção também. Para ser visto em ecrã pequeno e sala iluminada a fingir que estamos em ecrã gigante e luzes apagadas. É certo que se poupam os 480 euros das pipocas, mas valerá a pena?

Não sei se valerá a pena, porque um filme mau é um filme mau em sala de cinema ou na retrete no ecra de baixa resolução num PDA de 2004. E um filme bom Little Evil não é. Apesar do marketing ter apontado para um biopic de Angus Young, este filme conta-nos a história de uma criança que parece a encarnação do Demónio e a sua relação com o seu padrasto. O formato seria a comédia de terror ou comédia negra. Falha ao não ter comédia, nem negra nem terror. É um conceito de sketch, esticado aos 90 minutos com a terrível aura Saturday Night Live Movie a pairar omnipresente. Também cheira muito a direct to video, que de certa forma até é, e made for television, que definitivamente é.

Um pack de actores recorrentes a este tipo de obra, personagens secundários do standup, actores de séries de TV famosas e o aproveitamento dos recursos de um megalodonte multimédia que faz cinema a metro. Neste caso o Netflix. Aquele que podia ser um belo argumento padece no mal da moda, esta mania de agradar a todos. Todos os americanos, claro, com a galhofeira de primeiro mundo. Coca-Cola, monster trucks e boa disposição química.

É pena que tenham cortado as pernas rentes a golpe de motosserra a Eli Craig, o exímio realizador de Tucker and Dale vs Evil ou Zombieland que aqui ficou a apanhar bonés na sua cadeirita de realizador. Uma tendência que tem vindo a acompanhar estas produções no Netflix: realizador competente, alguns êxitos na carteira, talentoso, abalroado pelo mono agradador do Netflix.