Cinema não é apenas os filmes que planeamos, aguardamos e vamos entusiasmados ver em sala. Não são apenas os filmes que compramos ou alugamos no Sr. Joaquim e que assistimos em casa, numa espécie de ritual, o escurinho ideal, aquela almofada preferida e às vezes, em dias de batota, uma tacinha de torresmos. Não são apenas os dates para ver filmes detestáveis que toleramos porque o ambiente é propício ao coito. Cinema por vezes também são aqueles filmes que apanhamos a meio, numa insónia de hotel, que têm tantos atores conhecidos, têm meios de produção generosos e algum talento por detrás que nos perguntamos como nos escaparam. Anon é um exemplo destes últimos e a resposta à pergunta “Como é que me escapou?” é “Porque é o pior filme de sempre”.

Numa utopia retro futurista, todas as pessoas têm implantada uma câmara na visão de modo a que sejam vigiados na primeira pessoa, 24 horas por dia da nascença à morte. Quando há problemas, a polícia saca das imagens de todos os intervenientes até descobrir o culpado. Mas eis que aparece uma jeitosa que não tem esse sistema e nem sequer é reconhecida pelo sistema. Haverá explicação para isto? Há, mas é terrível.

O ambiente noir deste futuro austero e cinzentão arrasta um canastrão monolítico de difícil mobilidade chamado Clive Owen para uma dança Bogartiana com um pitéuzinho enigmático chamado Amanda Seyfried. Entrelaçam-se em tensão erótica e posterior conflito violento sem nunca perder a carga sexual, copiado a fotocópia do grande livro dos filmes noir, sem presença nem cumplicidade. Ler o guiãozito e picar o ponto. Com a mesma vitalidade de Kurt Cobain em 2005. 

Pensei para mim “que raio de filme sem sal e sem calor, sem alma nem coração. Parece um episódio esquecível de Black Mirror que foi originalmente escrito para 25 minutos e esticado inaceitávelmente para 1h40m. Porque razão terá isto acontecido, qual o racional por detrás desta bosta bolorenta?”. No dia seguinte, ao pesquisar dados deste filme por puro masoquismo, uma expressão relacionada com a sua produção veio dissipar quaisquer dúvidas em relação ao seu fétido resultado: “Um exclusivo Netflix”.