Abel Ferrara

A história que vos vou contar pauta-se pela verdade, daí haver um ou outro pormenor mundano que vos possa enfadar. A realidade é assim, sem efeitos especiais nem jumpcuts. Eram 5 da tarde e deslocava-me no Metro Mondego em direção à estação dos Hospitais da Universidade de Coimbra, aquela com ligação ao TGV e os 5 parques subterrâneos climatizados a Hélio 21 Oxidoplasmático. Um roliço trintão de  chapéu de feltro (vulgo Fedora) falava de cinema a duas caloiras de Enfermagem cujos seios pareciam tentar escapar por cima a uma indumentária 2 números abaixo, tops de licra apertados capazes de provocar  paralisia respiratória a um possante equídeo. O rapaz concluía o seu raciocínio “… e esse senhor é o Tim Burton!”. As raparigas jaziam deslumbradas e a mais loura disse “Adoro o Tim Burton, Alice no país das maravilhas é um dos meus filmes de infância preferidos.” O rapaz do Fedora sorriu complacentemente e retorquiu em modo guru. “Não miúda, não é esse filme que estou a falar, é outro, um clássico, dos primeiros da sua carreira. O Planeta dos Macacos.” Arregalei os olhos acima do meu escalpe e pensei “Caralhos te fodam, atrasado do caralho. Pregar-te os colhões à linha do comboio era pouco”. Virei o olhar para a janela no momento exacto que passávamos pelo glorioso túnel de Celas adornado com a arte retroiluminada de Garth Ennis. Enquanto me sentia superior cheguei à triste conclusão que há realizadores que gosto mas conheço pouco da sua fase inicial da carreira, como o Abel Ferrara (por exemplo). Não me deixei, porém, abater por esse excesso de realidade e voltei às minhas fantasias de  superioridade moral, essa sensação que os mantém afastados do suicídio. O desdém para com aquele miserável ajudou a equilibrar as minhas directrizes de vida e a elaborar um rápido top 5 de Abel Ferrara da fase  que melhor conheço.

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