Imaginação, essa característica da mente humana tão em desuso. Para que se possa contar com a previsibilidade de um mundo uniformemente cinzentão é preciso que todas as pessoas sejam desde cedo refreadas de qualquer centelha de pensamento abstracto ou sentido de humor. Actualmente as nossas crianças mais imaginativas são brindadas com o título de “hiperactivos” e uma visita ao psicólogo. Spike Jonze, esse mestre do subconsciente, faz-nos um retrato fiel do que é ser criança, do que é encontrar conforto fora da realidade, do que é compreender o incompreensível.
Este filme parte de uma adaptação de um livro infantil com uma premissa bastante simples, uma criança irritada com a família que se refugia num mundo imaginário. Spike Jonze pega nesse conceito e faz a devida extrapolação para o seu universo bastante peculiar, o universo da mente humana e das suas camadas. Personifica o Ego, Alter Ego, Super Ego, Id e companhia numa fantástico grupo de monstros que recebem o jovem protagonista como seu rei e supremo governador. Nesse mundo repleto de fantásticas criaturas, Max (o petiz) vive numa realidade alternativa criada por si, para si. E é neste mundo que resolve os seus problemas pessoais, as dúvidas e os medos inerentes a uma criança normal que não compreende muito bem o mundo físico que o rodeia.
Jonze teve a possibilidade de criar esta obra em formato de animação 3D, mas optou por filmar em carne e osso. A vantagem desta opção é o realismo que se dá à situação, como se nos fosse dada permissão de entrar dentro da mente de uma criança, correr com ela, passar por inimagináveis perigos, chorar, sentir e ser aquela criança durante uns minutos. Não é de todo um filme infantil, no máximo é um filme que pode ser também visto por crianças.
É verdade que o filme não teve grande aceitação. Eu próprio estava reticente antes de o ver. Ao ser linearmente analisado é apenas um puto a correr com uns tipos vestidos de peluche. Mas quem se lembra da sua infância ou tem filhos cuja mente transborda de criaturas fantásticas é um imagem perfeita da fase da vida em que todas as opções deste e doutros universos estão ainda em aberto.
Eu cá amei este filme e acho que é um clássico instantâneo que só irá ser devidamente apreciado daqui a muitos anos. O nível de fantasia elevado aliado a uma atmosfera carregada e melancólica resultam num dos filmes mais originais dos últimos tempos. Ah, já agora: acabei de “descobrir” o Cinema Xunga e amei. Acho que também é um clássico instantâneo que só irá ser apreciado daqui a muitos anos… 😉