Não costumo contextualizar temporalmente os meus posts para que sejam lidos em qualquer altura sem serem maculados pelas referências a eventos que o tempo entretanto fez esquecer. Seja amanhã, daqui a dois anos ou quando os arqueólogos extraterrestres, daqui a 1600 anos, encontrarem o servidor onde tenho o blog alojado. No entanto hoje vou abrir um excepção e dizer que estamos em pré-época de Oscars, aquela silly season cinéfila onde se enfolam pastelões à categoria de obras primas para que possam servir de veículos de fama a algumas pessoas e depois ser esquecidos em enormes cestos nos hipermercados a 1.49 e ninguém os comprar. Já passei por tantos anos disto que desisti de discutir a futilidade do evento. “És do contra!”, “Não admira que não gostes destes filmes, só vês merda.” e o clássico “A crítica é unânime em eleger (novamente) este como o filme do século.” A minha opinião é que apenas uma pequena percentagem dos filmes têm o seu real valor espelhado nestas festas, que estes eventos são actos de puro marketing que servem apenas para concentrar toda a atenção do mundo nos filmes de meia dúzia de estúdios (como se outras cinematografias não existissem) e sem valor artístico e que os vencedores são manipulados de acordo com uma agenda pré-definida. E assim procuro por me afastar para que não me volte a rebentar a veia que tenho na testa que se irrita cada vez que um paneleiro para aqui vem recitar odes às mentiras que Hollywood lhe enfia no cu. Este ano decidi regressar ao cinema de terror, um gênero do qual me tenho afastado porque sofreu um duro golpe criativo nos anos 2000. Agora parece estar a aparecer uma nova onda de belo cinema de terror independente e é isso que vou investigar. Comecei com Resolution, uma obra de Justin Benson e Aaron Moorhead, autores que anteriormente nos trouxeram obras como… nada. Nada que tenha cá chegado comercialmente, pelo menos.
Resolution é uma história aparentemente simples. Um jovem dirige-se para uma casa nas montanhas de uma reserva indígena para ajudar um amigo seu viciado em metanfetaminas. O plano é algemar o rapaz a um radiador de modo a que não possa ter acesso a estupefacientes e passar uma semana com ele até que as drogas lhe saiam do sistema. Tarefa complicada, já de si. As coisas não são tão simples como parecem. A zona não tem rede de telemóvel, um gang de viciados não está de acordo com este tratamento uma vez que o jovem algemado é também dealer e tem negócios pendentes, os índios donos da casa e do terreno querem dinheiro pela renda e começam a aparecer objectos estranhamento proféticos. As trama adensa-se ao ponto de eventos surreais e premonitórios começarem a tomar conta das suas vidas, apesar da lucidez e lógica com que os enfrentam. Até ao final avassalador e a constatação de que nada está sob controle.
Não me posso adiantar muito acerca destas conclusões que o filme nos dá, mas garanto-vos que cada um tira as suas e que não são fáceis nem unânimes. O filme chega a um ponto viragem em que se percebe a sua componente meta cinematográfica e os elementos parecem deixar de fazer sentido seguindo unicamente a narrativa linear que nos é originalmente apresentada. Há uma desintegração do filme inicial e começa a materializar-se outra coisa, outra obra, outro conceito e outro mal. Perde a inocência, torna-se visceral…
As fortes referências e ligações entre a realidade e a ficção, o filme e o espectador, o físico e o metafísico fazem regressar os fantasmas de Holy Motors com Cabin in the Woods. E com fantasmas não me refiro e criaturas etéreas ectoplasmáticas, mas à sombra da sua memória. É um filme que merece ser visto e discutido. Merece algum buzz porque estes artistas se fartaram de trabalhar para tirar o horror movie simplório de dentro da sua bolha de lugares comuns para que possamos ter uma lufada de ar fresco e um sorriso de cumplicidade na altura em que rolam os créditos finais.
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