A dor da perda e a tardia percepção de se amar sem ser amado desencadeia uma série de mecanismos de auto-defesa compulsivos inconscientes e involuntários. Uns enfardam pastelaria sortida na tentativa de encher o colossal vazio de chocolate, creme de pasteleiro e massa folhada à base de gorduras hidrogenadas e cancerígenos em geral, outros consomem inutilidades na esperança de substituir a dor da alma pelo catálogo da Benetton, outros compram cães, gatos, coelhos e toda uma panóplia de fauna que por vezes atravessa a fronteira daquilo que é um animal de estimação para aquilo que poderá ser uma bela chanfana. Outros compram uma caçadeira de canos serrados, metem-se num ford escort de 1997 e atravessam 0 país a matar gente para depois relaxarem num belo banho de sais enquanto esfregam os sangue e as vísceras da cara. O importante é exteriorizar a dor e não enlouquecer com ela a fervilhar-nos o cérebro até à loucura
É neste último cenário que vamos encontrar os protagonistas desta negríssima comédia britânica que subverte um gênero tipicamente americano, que é o serial killer em road movie ou os “assassinos em viagem”. Um casal em perfeita sintonia viaja pelo countryside inglês a usufruir das potencialidades que o bizarro conceito de turismo inglês lhes dá a experimentar. Para apimentar as coisas, o casalinho tão tipicamente britânico vai aniquilando um ou outro transeunte para depois libertar a energia potencial em sexo puro e duro. Seguido do cházinho e dos lugares comuns que Agatha Christie nos foi ensinando na sua eclética literatura, ou seja, scones, chá e o típico homicídio de origem ambígua.
Como em todas as mais belas obras de humor negro britânico, a gargalhada não flui do peido ou do incauto personagem que escorrega numa casca de banana para ver a sua testa violentamente danificada por um poste de iluminação. É um humor subtil, seco, violento na sua origem psico-social e que nos faz sempre sentir a culpa de rir com tão vil destino que as vítimas encontram, que é normalmente uma morte pouco pacífica. Para aqueles entre nós que se entretêm com as paisagens ficcionadas das mais variadas religiões, é sensação de ir para o inferno ou equivalente por se achar piada a coisas que não estão em sintonia com as escrituras.
As belas paisagens dos campos britânicos, com o sol a recortar densas massas nebulosas, dão uma identidade britânica a este filme que não se envergonha de incorporar a humidade e permanente pluviosidade na sua textura, ao contrário daquelas comédias românticas em Londres (ou Paris) onde parece estar sempre sol radiante e calor de suar as estopinhas. A narrativa é fortemente orientada aos personagens principais. servindo para entrecortar uma espiral incontrolável de duríssima violência com a evolução dos personagens, que vão crescer de um típico casal de classe média baixa que passa as férias num hotel de duas estrelas em Monte Gordo para personalidades dotadas de um sadismo que faria o Charles Manson sentir-se um columbófilo protestante federado. Isto, claro, sempre num ambiente que faria sua Majestade sentir-se perfeitamente à vontade nas suas rotinas.
Não é o Badlands inglês do século XXI só porque eu não me sinto confortável em o admitir, porque pode muito bem ser e adaptando os contextos não lhe fica muito atrás. Ou talvez fique, tudo depende do estado de equilibrio emocional à altura do visionamento. Isto tendo em conta que a época da filosofia pós-ganza em cinema acabou ali na passagem da década de 70 para 80. É curto, um doce que se petisca em pouco mais tempo que um daqueles intragáveis episódios de novela que nos sodomiza diariamente as ondas hertzianas.
Uma comparação muito arriscada, com Badlands. Não será euforia do momento? Já agora, sei que não gostas muit de séries, mas já viste True Detective?
Só vi o primeiro episódio do True Detective mas depois desisti. Ouvi dizer que acabou de modo decepcionante. É verdade?