Imaginem que ao telefonar para um passatempo do programa da manhã da Rádio Comercial o Palmeirim vos diz que ganharam um prémio. No meio de uma inaudível cacofonia de gritaria com reverbe e uma algazarra de efeitos sonoros, consegue-se perceber que é um prémio e que foram vocês a ganhar. Uma feliz improbabilidade que faria cair no vosso regaço um pack-putedo no Berbigão Incandescente em Mortágua. 10 das mais leitosas noviças, para poderem degustar a bel-prazer. Ondulantes e roliças carnes. Sem prazos e cheio de segundas oportunidades. Bumbuns gulosos. 10 vale-putedo que é só trocar na entrada, apontar para a meretriz desejada e levar para o quarto para esgaçar até cheirar a carne assada. E vocês, na ânsia do tresloucado deboche, decidem gastar tudo numa noite. Porque querem testar todas, porque acham que a seguinte será a melhor, porque não descansam enquanto não as virarem de cabo a rabo. Na afã de amanteigar o farnel, chegam a nem apreciar os climaxs já a pensar na próxima barregã de quatro a fingir que não está a pensar se deixou o gás ligado. Acabam a noite e vão para casa apáticos, com uma ligeira satisfação no canto daquela grande armazém que é a vossa sensação de vazio. A precisar do aconchego de um abraço.
Há cerca de 2 meses tentei ver os 4 Phantasms (de Don Coscarelli) de uma assentada. Já tinha visto o primeiro e daí não tinha passado. Depois de rever esse meti o segundo. Sem pausas para café, xixi ou para esticar as pernas. Como os mecânicos da Fórmula 1. O problema é que o Phantasm 2 foi feito 9 anos depois e o actor principal mudou. Passou de ser uma espécie de Eric Stoltz deformado do Mask (1985) para ser um Brad Pitt de marca branca. E a vibe do filme também não era bem a mesma, sentia-se aquele típico tom de sequela dos anos 80. Como o Chainsaw Massacre 2 ou o Nightmare on Elm Street 2. Mais musculado, mais sangue e tripas, mais piadas. Acção e requeijão dos anos 80. “Ok…”, pensei. Vamos para o terceiro. O actor principal muda novamente. Mais feio e normal. Como se fosse um amigo nosso e não uma daquelas marionetas de cera que metem nos filmes. Voltou o antigo tom mais negro e atmosférico, aquela sensação de pós apocalipse sem que ninguém percebesse que tenha acontecido de facto o apocalipse. O desconforto, como se estivéssemos a ver os filmes embrulhados em lençóis molhados ou numa casa desconhecida. “Ah caraças, isto não é suposto ser assim, não pode. Esta não é a ordem natural das coisas”.
De facto o binge watch de séries ou ver os franchises cinematográficos de seguida não é natural. Nem sequer é uma coisa que honrado cinéfilo deva fazer. As séries de filmes, os chamados franchises, foram feitos para ser vistos na cadência em que foram lançados. Nos anos 80 víamos um Pesadelo em Elm Street e gostávamos. Passado um ano saia outro. Ou outro Chucky, ou Hellraiser, ou Friday 13th, ou Halloween, ou Howling, ou Poltergeist ou uma Academia de Polícia. E a fórmula era a mesma. Se o filme estava a ter continuação era porque estava a ser rentável. E ninguém altera fórmula vencedora. E nós íamos ver. Porque já tinha passado um ano que saiu o outro. Para alugar o velho, mais vale ir ver o novo. E assim era, porque tínhamos saudades de voltar aquele ambiente.
Hoje não é incomum ver os miúdos a mamar tudo de seguida, seja Star Wars, Indiana Jones ou as 598 horas do Lord of the Rings. E aquilo é visto com a sensação de que se está a fazer um trabalho, que o objectivo é sobreviver, chegar ao fim. Uma tarefa a superar. Não é pelo prazer de ver o filme, de ver cinema, de querer ser deslumbrado. É “vamos lá despachar esta merda e meter os checks na Letterboxd e no IMDB”. Para isso mais vale mentir e ir ao youtube ver resumos. Se a consciência não vos levar ao suicídio.
Com o Netflix e as séries é o mesmo. Sai uma série, 12 episódios. Tudo acordado até às 6 da manhã. Cozinha suja, camas por fazer, sala cheia de caixas de pizza e o despertador quase a tocar para avisar que às 8h se trabalha. E para quê? Para não valorizar os episódios intermédios, para correr atrás daquele último episódio que esconde o mistério?
No Verão passado senti isso ao ver o Stranger Things. Não faço binges nem vejo franchises de uma assentada porque não consigo, torna-se uma tarefa aborrecida. Nesse Verão tive uma semana livre com a Sra. Cinemaxunga. Sem crianças, sem compromissos que nos amarrassem à rigidez da rotina familiar e à crueldade dos horários. Ora, toca a ver o Stranger Things. Vimos em 3 dias, 3+3+2 episódios. E o dia do meio achei-o penoso. Não era a excitação de conhecer a série e não seria o dia em que ia acabar. Não mereceu este meu desprezo. De facto ainda hoje continuo sem perceber se são mesmo episódios mais fracos e pastelões estáticos ou se era apenas o meu estado mental a fazer daquilo a travessia do deserto para o final.
Aquilo que sugiro que os queridos sobrinhos façam é intercalar. Se forem daqueles miúdos imberbes das séries, intercalem. Se forem homens de barba rija com sentido de honra e integridade que gostam de cinema, intercalem. Querem ver os James Bonds, Nightmares on Elm Street, Fridays the 13th e o Sassaricando de 1987? Vejo um de cada franchise por dia. Não sejam alarves ao ponto de destruírem uma coisa boa só porque querem ter tudo de modo instantâneo. Não imagino nada mais terrível do que ver os James Bonds de seguida. Já um por ano me mete confusão. A não ser que sejam Roger Moore, nesse caso meto o Moonraker em loop até nascer o sol.
E mais vos digo. Lembram-se de quando estudavam para um teste, uma frequência ou exame e era daquelas disciplinas que nunca tinham metido os coutos na sala? Na qual mergulharam durante três dias e três noites e tiraram 12? Ficaram todos contentes porque passaram e estava feita? O problema desse estudo é que passado 3 dias já está todo esquecido. Enquanto que os que foram às aulas, mesmo tirando 12, conseguem reter a matéria por mais uns tempos. Só que sacavam menos greta.
Bom ano e beijinhos do tio
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