Acordei numa sala escura. Uma lâmpada forte apontada cirurgicamente à minha cara. Mal conseguia abrir os olhos, sentia o sabor a sangue na boca e provavelmente meia dúzia de costelas partidas. Tentei falar. Ao fim da primeira sílaba, senti um pulmão pressionado por algo pontiagudo. “Foste tu quem escreveu o texto do Jurassic World Rebirth na página do Sr. Joaquim no Facebook?”. Aflito e assustado pensei que finalmente as consequências estavam a materializar-se na vida real. “Senhor quê? Nunca ouvi falar…”. De repente sinto um choque a percorrer-me o corpo, todos os músculos se mexem violentamente de modo involuntário. Incluindo o esfíncter retal, infelizmente. “Era uma pergunta retórica, óh burro! Sabemos que nem sequer viste o filme. Emprenhas pelos ouvidos só para te armares em espertinho e alguém tem que pôr fim a isso. Tens 3 dias para o ver. Senão voltas para aqui e levas uma segunda volta que não será tão agradável”. Um pensamento relâmpago tomou conta de mim, deixar completamente esta parvoíce de falar de cinema. Não necessito realmente disto para nada, muito menos morrer eletrocutado todo borrado por mim abaixo. “Quem és? Serviços Secretos? ASAE? Polícia Judiciária? Mossad? CIA? Mercenário? Espião MI6?”. Uma gargalhada que me vaporizou uma brisa de má higiene oral na cara. “Não, meu bandalho. Sou o Caló que trabalha de manhã no talho do Alcides. Primo da Gisela da Zouparria, que é recepcionista na Florista Linita. Campeão distrital de dominó”. Ok, pensei. Finalmente o famigerado reconhecimento público.

Já que estamos neste modo de nostalgia eterna dos clubes de vídeo deixo aqui o meu primeiro cartão. Nem era em nome próprio, era o “Filho do Sócio”, com a desvantagem do registo de alugueres ser visível pelo sócio.
Continue readingNa edição de hoje de “gajos que se excitam com velhas” será homenageada a estrondosa Helen Mirren, cuja beleza intemporal a colocou no pódium da divas da eternidade . Sem mais demoras, toca a baixar as calças que o resto do post é só multimédia sortida, curada como se fosse a secção de Impressionismo do Museu D’Orsay.
Continue readingPediram-me para dar um jeito no guião do Crime do Padre Amaro. Para ficar maroto e apelar a uma geração mais nova. Fiz o que pude. Penso que capta exatamente o que Eça de Queirós tinha em mente.
(conteúdo originalmente postado no Facebook a 13 de janeiro de 2023)

Estavamos de férias e o puto torceu o pé. Todos os planos de palmilhar repetidamente, em modo robótico, as ruas turísticas daquele vilarejo balnear foram por água abaixo. Ficámos tristes por não podermos fazer a voltinha dos tristes pelas lojas de bolas e chinelos, snifar o intenso cheiro a champô e as hormonas de pitas com esperança de se estrearem na área das desilusões amorosas de verão. O plano? Ficar em casa e ver um filme. Todos já viram o How To Train Your Dragon e, mesmo antes de passar ao próximo da pastinha do Sr. Joaquim, reparei que era de 2025. “Mas que diabos…?”. Um remake em imagem real? Da mesma realizadora? Bom, o puto mais novo ainda não o tinha visto e todos nós já nos tínhamos esquecido do original. Quarenta minutos depois de o termos visto, para ser sincero. Comando na mão, carreguei no botão.
Continue readingAqui estamos nós, amigos, reunidos em volta da fogueira noturna na praia dos filmes Marvel. A assar chouriças, marshmallows tugas, e a degustar uma quantidade anormal de aguardente aquecida. Daquela que não se sente o álcool, e que mamamos sempre um garrafão preventivo antes de entrar na sala. Desta vez, é a quarta encarnação live action do Quarteto Fantástico, que só por este facto responde à habitual pergunta: “Mas quem é que quer saber disto?”. Aparentemente, toda a gente. Lá estou com os meus filhos, o escudo protetor de crítica que uso nestas ocasiões.
Continue readingO cinema de terror tem-se vindo a tornar cada vez menos literal. Nos anos 70 e 80, os monstros eram mesmo monstros, normalmente gerados a partir de fobias coletivas populares. Radiação ou detritos tóxicos que mutavam animais e pessoas, fruto da iminente guerra nuclear que estava sempre ao virar da esquina. Fantasmas e entidades do sobrenatural, oriundos de crenças ainda reais, da bicharada mágica do além. Zombies e sobreviventes de um mundo ríspido, pós-nuclear e pós-apocalíptico. Ou os extraterrestres que, finalmente, vinham cobrar as suas dívidas a este planeta emprestado. Ultimamente, principalmente com o advento da omnipresente A24, começou a materializar-se o processamento do luto e das fobias. As doenças mentais tornaram-se os novos monstros e, como se costuma dizer em tom de máxima galhofa: “os monstros somos nozes”.
Continue readingDe 2 em 2 anos, mais coisa menos coisa, sai um novo filme de Wes Anderson. Por esta altura já ninguém se pode sentir enganado ao ser confrontado com alguma situação inesperada, uma vez que todos sabemos bem ao que vamos. Paletas pastel absolutamente dominantes, simetria doentia, movimentos de câmara definidos milimetricamente por algoritmos da NASA e, bem, e uma adorável patetice autista, à qual ninguém resiste. Vou sempre de pé atrás, preparado para criticar de modo senil como um idoso retido num lar, refém de donas de casa psicóticas a trabalhar sem vinculo contratual. Acontece, no entanto, que no final gosto sempre do filme e fico também sempre irritado por isso.
Continue readingA nossa nova Raínha está hoje, quinta-feira, em destaque. Os dois enormes e robustos motivos são o novo sabonete com cheiro à sua água do banho e os filmes onde tem entrado ultimamente. Sem mais demoras, porque não interessa nada o que aqui se escreve, deixo a homenagem ao estilo dos Peitinhos da Quinta.
Continue readingUma das piadas recorrentes de Barney Stinson, popular personagem de How I Met Your Mother interpretado por Neil Patrick Harris, era que o verdadeiro Karate Kid seria Johnny Lawrence. Daniel LaRusso foi um principiante com sorte que estragou a meteórica carreira de Lawrence com um pontapé ilegal. E que depois lhe arruinou a vida para sempre, abandonando um futuro promissor, lançando-o para sempre numa vida de álcool, drogas, Rock n’Roll e decadência urbana. Essa tendência da série, para reforçar a sua personalidade oposicionista, acabou por dar origem à série Cobra Kai. E depois, com o êxito meteórico dessa série em todas as faixas etárias, Karate Kid começou a ser novamente um nome pomposo e popular, a criar tendências e a pedir o que se pede sempre: outro filme.
Continue readingHá uns tempos, num episódio do podcast Nalgas do Mandarim, falava com os meus amigalhaços co-apresentadores acerca do fenómeno da última década e meia das adaptações de videojogos para cinema. E, como de costume, elencavam-se argumentos rezingões de velhos furiosos com o avanço dos tempos acerca do tema “No meu tempo é que era bom”. Neste caso de nos anos 80, 90 e inícios dos 2000s, os videos jogos mimicavam os filmes que víamos, o cinema era a força motriz por detrás da jovem, imberbe e imatura indústria dos videojogos. Para quem tem andado distraído nos últimos 20 anos, as coisas mudaram drasticamente. A indústria dos videojogos, principalmente da gama AAA, é lider no entretenimento e o cinema e TV agora adoptam os jogos em blockbusters e séries premium nas plataformas.
Continue readingEsta semana foi a queima das fitas de Coimbra. Tenho vindo a acompanhar novamente este evento académico, porque os meus filhos e sobrinhos estão já a começar o seu percurso no Ensino Superior. Um gajo vai-se inteirando das novas modas. Por exemplo, já não há garrafas de vidro, o cortejo é super organizado, os concertos das noites do parque são uma merda e as miúdas agora mijam de pé com as amigas à volta a tapar com as capas. Antigamente mijavam de cócoras, mas as bêbedas das amigas estavam sempre a levantar as capas e qualquer pessoa que passasse na rua tinha acesso a uma versão local d’A Origem do Mundo de Gustave Courbet, em 3D com cheirinho. E uns salpicos se se aproximasse demais.
Continue readingMockbusters ou clones zero orçamento de empresas como a Asylum é fugir a sete pés. A maior parte das vezes são exploitation a roçar os “direct to trash” clonando os conceitos de obras famosas. Transmorphers, Atlantic Rim, Snakes on a Train, Titanic 2… Um rol de compostagem pronta para ser atirada para os pântanos do eterno esquecimento. Ora acontece que às vezes são só filmes de terror série Z elaborados a partir de conceitos pouco abordados pelo cinema generalista. Desta vez, enrolado num tufão de lançamentos, iludido por capas lustrosas e moçoilas robustas vestidas para o excesso de calor, tropecei num filme de 80 minutos que parecia perfeito para uma quarta-feira às 23h. É certo que já teria que me deitar depois da meia-noite, desaconselhado a um idoso, mas a vida é curta para perder muito tempo com ponderações inúteis.
Continue reading“Homem que já jurou por tudo nunca mais voltar a ir a uma sala de cinema ver outro filme da Marvel é apanhado em flagrante a sair de uma sala de cinema depois de ver outro filme da Marvel”, diziam as principais revistas e sites de mexericos depois de me terem apanhado com um grupo de paparazzis à saída do cinema, sem hipótese de negação. Ainda por cima ia bastante lento porque levava os 14 volumes da grande enciclopédia Marvel, um quadro onde anoto cuidadosamente todas as ligações entre filmes e séries da Marvel e sem dormir há 4 dias para poder fazer o TPC típico para filmes MCU. Ia com os meus filhos, mas é certo que os miúdos ajudarem os pais é uma utopia salazarista, que hoje em dia até para virem almoçar depois de acordarem às 12h30 é preciso chamá-los 4 vezes, como se nos estivessem a fazer um favor em vir comer. Para passados 15 minutos sairem a olhar para o telemóvel, deixando para trás uma cozinha que parece a casa da tia Meg do Twister, depois do Tornado a ter feito num aglomerado de lenha fina.
Continue readingNo seguimento do filme Barbarella, Jane Fonda fez algumas sessões de fotografia para promover o filme. Como, aliás, todos os filmes fazem. Principalmente se tiverem um xuxuzinho de roer tão apetitoso como neste filme. É facto de que nutro especial carinho por esta obra, por duas razões muito fortes: a sequência de abertura, libidamente dengosa, e a personagem Barbarella.
As histórias desta saga espacial não deixam grande saudade, o filme é meio frouxo. Mas fica agarrado ao cérebro de quem o vê com a atenção que merece. Aliás, a banda Duran Duran foi buscar o nome ao vilão deste filme. Ora, esta prostituta espacial, leve de ideias e cheia de atitude, resolve meter-se nos dramas da política espacial e abandona aquilo pelo qual nós começamos a ver o filme, o deboche.
Sem mais delongas vos deixo as fotos, porque a página fica com muito texto e compreendo que é difícil fazer scroll apenas com uma mão.


Carlos El Gato é preso e condenado à morte por cadeira elétrica. Coitado, certamente será engano ou uma injustiça do complicado sistema judicial mexicano, tantas vezes manipulado pelas garras dos barões da droga. Ah, não é nada. É um serial killer que também viola. Parafraseando o acordão da sua condenação, “viola à fartazana”. E no dia em que está para ser executado aparece-lhe Satanás com uma proposta. Longe do cornudo vermelho da literatura ocidental dos últimos séculos, este diabo é uma versão badalhoca das madames de bordel dos anos 60 e 70, aquelas senhoras que aviavam chouriça à taxa de largas dezenas por noite e agora só fazem trabalho administrativo pois o corpo revela bem as marcas do tempo e do excesso de cutucação uterina. Este diabo propõe soltar novamente El Gato para a sociedade na condição de que lhe mate e viole 7 mulheres. El Gato exclama “Ok” e passados 20 segundos já se está a preparar para passar a ferro uma cabeleireira especializada em caracóis e madeixas. E assim se repete o ritual de sexo e morte até à sétima pobre senhora.
Continue readingUm homem simples e humilde. Ligado a uma rotina espartana, rigorosa. Austera… O tempo pinga vagarosamente enquanto aprecia os prazeres que o mundo abandonou. Contempla os efeitos da natureza nas obras do homem. Ou a obra de Deus, se formos religiosos. Limpa diariamente as belas retretes de Toquio, sempre atento e completista. Wim Wenders leva-nos pela mão a uma visita de estudo da simplicidade, do abandono dos modos vertiginosos da atualidade em prol de paz de espírito, a bem da saúde mental, enfiado mesmo no centro do furacão dessa mesma vida caótica e consumidora. Um estilo de viver minimalista e analógico. Cassetes áudio e livros de bolso em segunda mão. Um colchão fraquinho que me fez doer as costas mesmo sem me deitar, madrugadas fotocopiadas, uma cópia de uma cópia de uma cópia, curiosamente dos antípodas do Fight Club.
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Este não é um bom filme. Por nenhuma métrica. Em termos de produção apresenta meios reciclados de filmagens de novelas, e mesmo assim restos estragados de cenários, adereços ou mesmo guarda roupa. O estilo de representação de todos, excetuando os titulares Zé e Quim, cai na gama tão temível chamada “representação de revista à portuguesa”. O toque de modernidade, gamado de 300 filmes anteriores, com a presença de Deus, interpretada pelo defunto e mui saudoso Nicolau Breyner, também não ajuda. Digamos que o tom, os temas e o próprio motor narrativo, que serve para agregar um conjunto de sketches soltos, contribui para dar um look and feel que a internet teima em chamar de “Azeite”, esse tão nobre e precioso líquido, ouro mediterrânico. Mas que neste contexto traduz como piroso e sem gosto.
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Quando nos lembramos de Alien, filme de 1979 de Ridley Scott, muitas coisas interessantes nos vêm à cabeça. Não é só facto de ser um absoluto assombro da cinematografia, um misto de terror e ficção científica que continua tão atual hoje com há quase 50 anos, de ser um filme de orçamento modesto que usa a habilidade criativa e a imaginação para o transformar numa peça superior que ecoará nos tempos enquanto houver tempos, que é ainda uma masterclass de cinema. Quer seja em termos narrativos, técnicos ou artísticos, tudo neste filme emana nobreza da sétima arte.
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Do mais profundo breu abre-se uma fresta de luz quente e acolhedora. Um homem carrega um tronco ao ombro. Não era um tronco normal, não era um homem normal. Era o super tronco carregado pelo seu equivalente humano. Ornamentado por steel drums de Trinidad e Tobago, esta poderosa criatura, capaz de arrancar cabines telefónicas, bancos de carros e derrubar paredes de hotel, transforma-se no pai do ano, mimando a sua filha com gelado e um veado bebé que acabou por trazer para refugar ao jantar, num cena cortada. A música transforma-se e eu deixei nesse momento de sentir peso e fiquei leve como uma pena.
Num profundo estado de contemplação espiritual, encontrei-me imerso numa meditação singular. À medida que a intensidade da minha devoção aumentava, uma sensação de leveza tomou conta de mim. Aos poucos, percebi que estava a desvincular-me do seu corpo físico, como se a minha consciência estivesse a flutuar livremente.
Enquanto pairava por cima daquela plateia, observava o ambiente ao meu redor com uma perspetiva renovada. As barreiras físicas pareciam desaparecer, e senti uma conexão profunda com algo para além do tangível. Uma luz suave envolvia tudo, sentia harmonia e compreensão cósmica.
Neste estado, tive a percepção de que a minha essência transcendia os limites do corpo, conectando-me a algo divino e universal. Esta experiência extra sensorial tornou-se um momento sagrado, onde a fronteira entre o eu individual e o todo cósmico se dissolveu, deixando uma impressão eterna de unidade espiritual. Ouço uma efusiva ovação depois da frase “Let off some steam, Bennet” que me faz iniciar uma espiral descendente. Ao regressar ao meu corpo, carreguei comigo uma compreensão renovada da espiritualidade e uma sensação de paz interior.
Tentei sentar-me novamente no lugar, mas a minha pinhal rectal foi entretanto ocupada por alguém que se auto intitulava “Kanzana Ben”
A magia do Commando em sala, 07 de dezembro de 2023
Reportagem fotográfico pelo André Henriques
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