Se há coisa que enfada é quando aqueles paneleiros que passam a vida a ver reality shows, programas de apanhados diários na SIC, 3 horas diárias de Facebook e meia dúzia de jogos de futebol ao fim de semana chegam junto de mim e dizem “Sinceramente, não sei como tens tempo para ver filmes, deves mesmo ser um traste desocupado. Eu mal tenho tempo para me coçar.” Normalmente opto por um sorriso e um fuga rápida para não me chatear, porque a malta com este perfil psicológico é problemática, com capacidades aperfeiçoadas de indução de culpa e geneticamente seleccionados para a peixeirada. Mas não é de bestuntos que vos vou falar, é de gestão de tempo. E falo-vos da minha experiência pessoal e dos objectivos a que me proponho.
O 1º objectivo que vos trago hoje é: Deixar de ver TV! (tchan)
Quando a televisão, com os seus protocolos de transmissão, equipamentos e estratégia de marketing foram inventados, o intuito era oferecer uma experiência de cinema, trazer para casa uma pequena percentagem daquilo que se vive nos espectáculos das grandes salas. As pessoas queriam ter em casa um pouco da magia do cinema. Com o tempo a televisão foi evoluindo e a sua orientação estratégica foi lavar o cérebro aos seus telespectadores fazendo-os acreditar que ver televisão poderia ser uma opção de primeira escolha, e não uma alternativa. Criou um catálogo imenso de vício que, qual distribuidor de opiácidos, se preocupa mais em manter as pessoas à frente dos seus ecrans do que em fornecer produtos de boa qualidade. A estratégia tem sempre uma agenda escondida, vender, modelar, fazer as pessoas usarem as mesmas vitolas, os mesmos gostos. A produção em massa dá um lucro muito maior. Vender camisolas de todas as cores exige centenas de métodos de fabricação, diversidade de técnicas e profissionais que em nada ajuda a lucrar. Se todos gostarem de camisolas verdes, aí sim, aí a conversa é outra. Uma única megafábrica, capaz de produzir 50 milhões de camisolas verdes por dia, economia de escala, lucros astronómicos. É isso que nos faz a televisão, faz-nos apontar o dedo em escárnio a todos os que fogem da norma que ela ensina. Aqueles que não gostam de telenovelas e não se alarmam com o jornal das 8. Aqueles que não conhecem as publicidades da moda, aqueles que se atrevem a ir mijar fora dos intervalos.
Este ponto é o mais importante e é responsável por 90% do tempo ganho. Cortar na TV é como arranjar uma segunda vida. Os dias passam a ter 36 horas. Liberdade até perder de vista. Até há dias em que podemos ir dormir uma ou duas horas mais cedo sem nos preocuparmos com a Jurema e Elineide e os seus namorados gémeos siameses presos por um testículo que só se conheceram aos 26 anos.
Se tiverem um serviço de gravação, percorram uma vez por semana os canais em que passam filmes e gravem 2 ou 3. Não se preocupem se um filme menos prioritário passar para trás, eles repetem eternamente. Deixem de ver séries de TV. Não todas, mantenham uma ou duas para alimentar vícios antigos, não peguem em séries futuras. Não acreditem em amigos que vos convencem a ver alguma série nova, com os seus olhos vermelhos de sangue e espuma no canto da boca. Às vezes o que eles querem dizer é “Por favor, sê miserável como eu. O CSI Santa Comba Dão é uma série verdadeiramente original. Tens que ver. Vê! Ordeno-te que pares tudo o que estás a fazer e vejas TV. VÊ TV. CÃO! Ajoelha-te perante o nosso deus. Adora a sua magnificência, inala as suas ondas. Dá graças por seres um escolhido. Mata a tua família e queima a casa. Junta-te a nós.“
2º Objectivo: Facebook.
Um excelente canal de confraternização e meter algumas amizades em dia, mas 30 minutos diários chegam para fazer o stalking diário às ex-namoradas e esgalhar o pessegueiro com as fotos em bikini da vizinha do 4º esquerdo. Mais um quarto de hora opcional para ler uns artigos de links que achem relevantes. Deixem de fora tudo o que seja Correio da Manhã, cobras que comeram uma vaca inteira, artigos de opinião que tenham alguma personalidade de governo no título, frases feitas para levantar a auto-estima de aventesmas, fotografias “Olhem para mim como sou espectacular e o meu modo de vida é invejado por todos” e fotos com marca d’água de pessoas a dançar em discotecas em elevado estado de alcoolemia prestes a serem violadas em grupo ou raptadas para tráfico de órgãos.
Existe uma aplicação para iOS e Android excelente para fazer browing no Facebook e no Twitter. Chama-se Flipboard. Assim que façamos a ligação às nossas contas, cria uma espécie de revista que podemos folhear rapidamente com todas as fotos, videos, links e macacadas de chico espertos. É grátis. Se forem pobres e tiverem um Nokia 3310 considerem-se livres de todos os males do mundo, abençoados por não sentirem este apelo de Satanás.
Acima de tudo, vejam cinema porque hoje em dia, para o bem ou para o mal, têm acesso a um acervo praticamente infinito que os cinéfilos que viveram enfiados nos clubes de vídeo os anos 80 e 90 matariam para ter. E não estou a inventar. Se me viessem falar desta “Internet dos filmes” em 1988 ou 1989 eu venderia a minha avó pelo acesso a isto. Envenenaria todos os poços, rios e riachos, matava o gado durante a noite e abafava o pároco para pendurar no pelourinho do centro da aldeia numa cruz invertida em chamas. E esta malta a ver a SIC…
Para aqueles que não perceberam, porque não leram, porque não conseguem visualizar este flagelo, deixo-vos uma analogia.
Televisão:
Cinema:
* Disclaimer: obviamente que “kill your television” não estou a pedir para pegarem em equipamento de demolição e destruam o vosso rico aparelho de TV que tanto vos custou a pagar. Falo, obviamente, de boicotar os canais de TV mais mercantis, a começar pelos generalistas nacionais e a por aí fora, por grau decrescente de perfídia.
Pedro, sinceramente… parece que me lês a mente. Óptimo texto. Vou partilhá-lo. Um abraço!
Tenho tentado fazer pelo menos uma das ideias que lanças. Zapping no guia TV e pimba fica gravado para um dia destes.
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Pedro Pereira
http://por-um-punhado-de-euros.blogspot.com
http://destilo-odio.tumblr.com/
Eu já há muito que não me atrevo a ver os canais generalistas. Um simples zapping já me dá arrepios e nojo! Mas não há dúvida que a TV portuguesa está formatada para um público muito especial: os velhos, os fracos do sentido e os mestres da piroseira!
Ora aqui está um artigo pelo qual nutro imensa admiração e concordância, pois há por aqui um enorme desfile de puras verdades, ditas com humor corrosivo e sarcasmo, mas de imensa verdade:
“Acima de tudo, vejam cinema porque hoje em dia, para o bem ou para o mal, têm acesso a um acervo praticamente infinito que os cinéfilos que viveram enfiados nos clubes de vídeo os anos 80 e 90 matariam para ter.”
(…)
“Deixem de ver séries de TV. Não todas, mantenham uma ou duas para alimentar vícios antigos, não peguem em séries futuras. Não acreditem em amigos que vos convencem a ver alguma série nova,(…)”
(…)
“Cortar na TV é como arranjar uma segunda vida.”
Deste lado, tenho igualmente cortado, no volume imenso de séries que via/seguia, que me impediam de ver cinema. E quando tinha uma vaga o que é que via? Um filme super popular, um blockbuster ou algum titulo valorizado somente pelo star-system… e é nestas condições, as de imposição hollywoodesca, que ficamos com a sensação de que só se faz mau cinema.
Com o tempo diminuí tanto, ao ponto de já nem sequer ter pachorra para ver qualquer serie que seja, e dedico mais do meu tempo a descobrir mais e mais cinema.
Já passei a fase de acompanhar montes de séries. Salvo erro, via por semana umas 15 ou mais. Cheguei ao fim de muito tempo e perguntei a mim mesmo, o que estava a ganhar em ver tantas séries. Nada!
As séries são desonestas com quem as segue. Se são boas e valem a pena mas não têm audiências, eles cortam-nas e ficamos a meio de uma história de forma implacável.
Se uma boa serie tem sucesso, eles prolongam-na até se tornar insuportável e já nem fazer sentido mas… sentimos que estamos amarrados e temos de prosseguir (e a perder o nosso tempo).
O cinema é mais honesto. É uma obra que começa e acaba ali mesmo. Se tiver sequelas, só as vemos se quisermos.
No espaço da duração de 2 ou 3 episodios de uma serie podemos ver um filme. Tão simples como isso…
E estando libertos das series, e se virmos do tipo um filme por dia, podemos alcançar imensos tipos de cinema de todas as paragens. Tenho-me sentido muito mais satisfeito e realizado com a minha nova forma de estar, que não me impede de eleger uma ou duas series para ir vendo de longe a longe.
Vejo televisão na mesma (informação e outras coisitas no horário nobre como passatempo) mas guardo sempre diariamente uma parte do tempo para ver filmes, seja pelos canais de Tv, seja pelos “meus próprios meios”.
Parece um “Toda a Verdade”, uma explicação que concordo plenamente contigo.
E na realidade, se eu cortei com muitas séries nos últimos anos, agora vejo-me sem tempo para ver filmes porque… perco-o fazendo posters e DVD-BOX’s!
Ah cruel mundo 😀