Uma das conversas que tive recentemente com o meu filho revelou-se um pesadelo paternal. Na sequência de um conjunto cirúrgico de elaboradas perguntas cheguei à catastrófica conclusão que o miúdo não tem interesse por ficção científica. “Como é que isto é possível?”, pensei. Quer dizer, parece-me humanamente impossível alguém não gostar de ficção científica, esse género nobre das artes narrativas. Star Wars? Nada. Star Trek? Quê? Desenhos animados nos canais de putos com temas de ficção científica? Nenhuma. Temática sci-fi no Netflix? Nem lhe toca. Nessa noite adormeci em posição fetal banhado em lágrimas. O pontapé furioso com o dedo mindinho descalço num canto bicudo na cómoda não ajudou a aliviar a dor. “Então é isto que tanto falam, na desilusão de um pai que criou um filho para nada.”. Chorei no ombro da minha esposa. “Tenho quase a certeza que não é nada disso.” Respondeu-me ela. “Eu também não gosto de ficção científica.” Incrédulo, gritei num tom agudo e pueril. Senti uma das chávenas da coleção Space 1999 a rachar com a frequência. “O… quê???? E os filmes que vimos?”, perguntei furioso. “Menti. Fingi. Pronto, está dito!”
O meu corpo tremia, as minhas mãos húmidas apertavam o peito como que a impedir que o coração rebentasse o peito, rasgando o corpo como já tinha rasgado a alma. “Tu…”, apontei trémulo com os olhos raiados de sangue. Sentia espuma de fúria no canto da boca. Não limpei, só tenho duas mãos. “A minha vida…”, solucei, “… foi uma mentira!”. Ao olhar complacente dela seguiu-se “Bem, eu não diria que foi uma mentira. Quer dizer, temos uma vida conjugal boa, uma situação financeira aceitável, três lindos e inteligentes filhos, saúde e um cão. E dá-me ideia que os dois mais novos também não gostam de micção científica”. Esta última expressão que escarneceu os meus ideais, acompanhada por um sorriso maléfico foi o espetar da faca até ao osso. Foi como a revelação de um final de um filme de Body Snatchers. “Quem são estas pessoas?“. A minha cara derretia no reflexo do fogão e um calafrio percorria-me a espinha, como lulas em noite de S. Justino.
Saí da cozinha desesperado. Corri, corri e continuei a correr. Parei para recuperar o fôlego e continuei a correr. Ao fim de 5 minutos cheguei estafado ao quarto do miúdo. Estava a ler. Peguei no livro e disse-lhe “Menino, amanhã vamos ver o Valerian.” Silêncio fez-se pesar sobre nós.
Um silêncio frio, artificial e prolongado. Por momentos vi o vapor de água que me saia da respiração. Estava capaz de jurar que conseguia ouvir a corrente elétrica dentro das paredes.Ele respondeu: “Ok.” Sorridente. E continuou a ler. Voltei para a sala feliz, como se tivesse acabado o número do Circo Chen que consiste num elefante a fazer acrobacias no meu peito nu e peludo. Só com isto o filme já ganhou duas estrelas.
Amanhã falamos do filme.
Isto é o que eu chamo um verdadeiro conto de terror. E se amanhã o mesmo acontece comigo (o que ainda seria pior, pois nem tenho filhos)? Hoje já nem vou conseguir dormir. Rói-te de inveja Edgar Allan Poe!
Pode ser usado como contraceptivo. “Imagina que desta queca que vais dar nasce um puto que não gosta de scifi? Mete o camisinha, não fiques com uma história como a minha”