Takashi Miike, quando quer, kicks ass… Este é considerado a sua obra prima por muitos e um dos seus melhores por outros. Grande parte dos filme de Miike acabam por ser uma bizarra e surreal experiência para as bandas da violência extrema. Conjugam o humor para suavizar actos que envergonhariam por completo Torquemada e os seus lacaios da inquisição espanhola. Neste filme tudo é diferente. É um poderoso filme de emoções bem transmitidas, de amor e ódio incontrolável e, claro, sangue à baldada.
A sociedade japonesa é estranha. Diz um famoso psiquiatra português que cada cidadão japonês seria um caso clínico na realidade portuguesa ou europeia. São neuróticos, obsessivos, compulsivos, nervosos, suicidas, homicidas, pervertidos, tarados sexuais e apanham uma bebedeira em 7 minutos. No entanto, lá onde o sol nasce, estas são as características de um comum e mundano cidadão que anda na rua. O que equilibra todo aquele sistema é que todos são fodidos dos cornos.
Neste filme podemos ver algumas dessas características mais em detalhe. Mesmo a maneira como o homem vê a mulher, que tem que ser submissa, dona de casa, boa mãe, tem que gostar de levar uns açoites e não se pode queixar quando ele lhe pretende encher o rabinho de carne aos empurrões. Outras características marcantes são a obsessão desmedida. Aqui há de tudo…
Uma das sequências mais geniais é logo quando nos apercebemos que a miúda não é lá muito boa pessoa. Quando ela recebe o primeiro telefonema do velho viúvo, algures na cozinha está um gajo meio morto dentro de um saco enorme, ainda a a esbracejar e ###SPOILER### descobrimos mais tarde que não tem mãozinhas nem pézinhos. Este filme alterna em perfeita harmonia entre o filme de amor perfeito e a mais pura ultraviolência. Em perfeita harmonia.
Outro factor de interesse é a semelhança com o conceito por detrás de Solaris, a maneira como as pessoas realmente são e a maneira como a nossa memória (selectiva) as armazena e recorda. É poderosa a sequência do acordar da mente para a realidade. Muito boas representações e um cinematografia bela. Se pudesse teria comprado 2 DVDs..
É um filme no mínimo perturbador. O que choca mais e faz com que aqueles últimos minutos sejam quase insuportáveis nem é a violência gráfica em si (que mostra um pé a ser decepado, ao contrário do Saw original, que o deixou implícito), mas a transformação da Yamakazi, do “anjo” que assumíamos que fosse, ao “demónio” sádico que mostrou ser.