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Noite Escura (2004)

Quando eu tinha 6 anos queria ser bombeiro. Com 1o anos queria ser astronauta, mas de um império maléfico. Mas aos 16 anos a minha ambição desmedida de gerir uma casa de putas consumia-me por dentro. As coisas correram noutra direcção e acabei por ter uma profissão banal, apesar de também haver putas na minha linha de trabalho. Choro frequentemente antes de adormecer a pensar no meu sonho perdido. Mas agora que vi Noite Escura de João Canijo percebo que administrar um bordel não é tão glamoroso como pode parecer à primeira vista.

Já há muito tempo que ando para ver este filme. Mas há uma coisa que me deixava de pé atrás. A sinopse reza assim: “A noite escura é o Inverno da província portuguesa”. A província portuguesa? Existe nesta frase uma dimensão alfacinha tão mentecapta que até se me encaracolam os pelos do escroto só de a ler. Como se a tal “província”, que é toda a área nacional que fique a mais de 30Kms do Centro Comercial Colombo, fosse uma zona inóspita incapaz de albergar vida humana e a uma distância tal que a programação da RTP poderá demorar até 5 anos a chegar ou o simples acto de cagar em algo mais confortável que um balde de madeira é uma modernice do séc. XXI. Onde todos nos referimos à capital nacional como sendo “A Metrópole”, não porque acreditamos no Super-Homem, mas porque sofremos todos de um forte lentidão cerebral que, à luz da legislação nacional, não nos permite habitar em Lisboa.

Noite Escura é um filme quase em tempo real. Inteiramente filmado numa boate (como chamamos às casas de putas no província). A família Pinto tenta fazer desta noite “business as usual”, mas uma contrapartida com a máfia russa faz com que o pai de família ofereça a sua filha em troca  da sua própria vida. Ao final da noite a miúda tem que ser arrancada da família para ser entregue à barbárie do comercio sexual europeu. E é com este peso que o filme segue o seu passo seguro até a um final, no mínimo, inquietante.

Apesar de ter todas as características de um filme português que poderia ser à primeira vista um dramalhão deprimente e desconfortável de tão irreal, na verdade Canijo gere bem o filme, injecta-lhe elementos que nos sugam cena após cena. Os actores são muito bons e o trabalho de câmara exemplar. Diálogos bastante acima do que o nosso tipicamente lugúbre cinema nacional nos habituou.

É definitivamente um bom filme. Não cede a pressão comercial de meter o Nicolau Breyner a encabar um recém-legal pita dos morangos e nunca cai no idiota para fugir ao drama. É equilibrado. Confesso que o vi de ponta a ponta, completamente imerso.

Não se pode também considerar o elo perdido do cinema português. Apesar da óbvia mestria e profissionalismo de Canijo há coisas que me desagradam. Não gostei da imensidão de diálogos sobrepostos, como que a querer negar a nossa tradição de silêncio desconfortável e diálogos teatrais. São pessoas a falar de assuntos diferentes, um bocado confuso, além de que há sempre alguém a fazer um strip desfocado em foreground, há uma pessoas focadas e lá atrás passa-se mais qualquer coisa. Não há necessidade. Woody Allen consegue fazê-lo, mas nem sempre assim foi.

A necessidade de condensar imensos elementos naquela hora e meia também torna o filme demasiado irreal. Como se já não bastasse aquela família ter que abdicar de uma filha para não ser chacinada, ainda há um pozinhos de incesto, poligamia, suicídios, assassinatos, adultério, e um sem número de elementos a fazer lembrar a famosa série Riscos da RTP.

9 Comments

  1. Edgar Marcelino

    João Canijo é sem dúvida um dos meus realizadores portugueses preferidos. Não sei se já viste outros filmes dele, mas se não viste aconselho-te a ver estes: “Sapatos Pretos”, “Ganhar a Vida” e “Mal Nascida”.

    Hoje, dia 29 de Abril, estreia o seu documentário “Fantasia Lusitana”. Também me parece interessante.

    Cumprimentos

  2. Ruy

    o último filme dele (Fantasia Lusitana) é muito bom. toca a ver

  3. bruno

    “Mal Nascida” já há em algum “sitio”?
    queria vê-lo, há anos que o procuro.
    João Canijo é mesmo dos melhores realizadores portugueses

  4. cine31

    Costumo fugir dos filmes tugas mas algumas palavras chave desta critica deram-me esperança para o ver: “trabalho de câmara exemplar” “Diálogos bastante acima do (…) tipicamente lúgubre cinema nacional”. Vamos ver.

  5. Edgar Marcelino

    Bruno,
    o DvD do filme está disponível para compra desde 2009.

    Cine31,
    ainda bem que existem pessoas que não fogem do cinema português! Sei que ainda estamos muito atrás… mas preferia que não existisse cinema em Portugal? Um filme português está condenado antes de ser exibido e esta situação não vai mudar tão depressa. Agora, não é fugir do cinema português que as coisas vão melhor, certamente.

  6. cine31

    Viva Edgar! Claro que prefiro que exista filmes tugas, apesar dos defeitos. Mas o problema é que a maioria falha em me atrair como espectador. Mas os critérios que uso para escolher os filmes que vejo são os mesmos sejam eles japoneses, americanos, ou os nossos. E realmente lamento que existam tão poucos filmes nacionais que não estejam nos extremos das “masturbações autorais” ou “explotations das mamocas da Soraia Chaves”. Vamos ver o que reserva o futuro, existem dezenas de países que decerto têm menos recursos que o nosso e que conseguem fazer coisas interessantes..

  7. Edgar Marcelino

    Boas Cine31.
    Nós também temos bons filmes e bons realizadores em Portugal! Posso enumerar alguns realizadores que têm bons trabalhos: João Pedro Rodrigues, Marco Martins, o grande Pedro Costa, António Ferreira, João Canijo, Manuel Mozos ou Teresa Villaverde. Existem mais alguns…
    Eu acho curioso o nosso cinema ser mais aplaudido no estrangeiro do que em Portugal, não acha isso estranho?
    Até posso dar dois exemplos do que estou a dizer (podia dar muitos mais): a revista francesa “Les Inrockuptibles” fez uma lista com os 100 melhores filmes da década, onde constam 6 filmes portugueses; numa outra lista criada pela “New Yorker”, intitulada “Os melhores da Década”, aparecem 2 filmes portugueses. Como é óbvio, este tipo de lista tem a importância que cada um lhe quiser dar, contudo, não deixa ser uma marca positiva para o cinema Português.
    Mas existe uma coisa que ainda me faz mais confusão: são os filmes de maior sucesso em Portugal! Eu, apesar de divulgador e defensor do nosso cinema, não prevejo dias melhores para a relação público português – Cinema Português. Acho que nem preciso dizer porquê.

  8. cine31

    Edgar, acredito piamente que existam bons realizadores em Portugal, nunca pus isso em causa, mas o problema é que a maioria desses projectos falha em atrair espectadores – nos quais me incluo – , seja por uma temática ou promoção inexistente ou na maior parte das vezes mal orientada, são tantos os exemplos que “anúncios” ou trailers que passam – principalmente na RTP, obviamente – que apenas exibem cenas desconexas que não permitem que o espectador médio identifique sequer se filme “X” é uma comédia, um drama, ou whatever! (Alguém acha que “produzido por Paulo Branco” quer dizer alguma coisa para a maioria da população?) Acho que basicamente o que nos falta é variedade de temas, e uma promoção e divulgação competente. E também já largavam a mama dos subsídios…mas isso digo eu 😉

  9. vanda firmino

    Geralmente, confesso, não tenho pachorra para os filmes portugueses, mas este é brutal! Realmente, prende-nos do príncipio ao fim.
    Abraço

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