Há qualquer coisa nos desportos de violência física que atrai os humanos com um poderoso magnetismo animal. O ser humano gosta de ver uma boa luta e gosta de sangue. As pessoas gostam que sangrem por si, pela sua equipa, pelo seu país, pela sua honra, pela sua vida, pela sua aposta. É o instinto primitivo. Gostam da “Vitória ou a morte”. Isto, claro, sem sair do conforto uterino do sofá ou da bancada. Ali na passagem da década 70 para 80, Hollywood sabia que o tema era quente e, sobretudo, rentável. Ora toca a inundar o mercado com tragédias e dramas de lutadores caídos em desgraça ou renascidos das cinzas, biografias, ficções ou uma mélange agridoce das duas. Não falo apenas de Rocky e Ragging Bull, falo também de uma miríade de produções satélite de baixo orçamento que aproveitavam onda de hype e glamour do boxista, como The Champ ou Dempsey. Sim, eram filmes de segunda linha, mas quando não havia mais nada nas prateleiras do videoclube também se alugavam, com um belo porno para contrabalançar. Algo com a Ginger Lynn ou a Traci Lords antes de terem topado que os melhores filmes dela foram feitos antes dos 18 anos. Oops…
Apanhei recentemente este filme em glorioso HD no caos que são as gravações da minha Box de TV (honradamente) paga. Impossível de resistir. Logo após os primeiros pares de bofetadas de o personagem de deNiro assenta na primeira esposa depois daquela fúria na cozinha, nenhum homem de bem é capaz de carregar no stop nem no pause. Há até quem se mije pelas calças abaixo impossibilitado de se ausentar.
Que me perdoe Rocky, porque até é de outra divisão, mas este Ragging Bull é o meu filme de boxe preferido. Aliás, é um dos meus filmes preferidos. Trata-se da biografia de um homem amargurado e violento, comido por dentro com ciúme incontrolável e cujo instinto assassino da sua vida caótica é o combustível para o ringue, usando os seus próprios demónios para massacrar quem quer que atravesse o seu caminho, homem, mulher, cavalo, Airbus A320… O mítico sangue quente italiano que, imagino, já se deva ter diluído por esta altura com tanto colestrol e infusões de “politicamente correcto” no melting pot Yankee.
Jake La Motta, magistralmente interpretado por um Robert de Niro no auge é uma máquina de enfardar soco com um carisma que transborda o ecrã. Não é pelo facto de ter sido filmado a preto e branco para amenizar o hiper-realismo das cenas de violência, não é pelo celeuma criado em torno do nariz prostético de deNiro ou pelo facto de ter engordado e emagrecido brutalmente por amor à arte. Nem sequer é pelo boxe, porque apesar do foco nas lutas, até nem representam grande peso na narrativa. É pelas emoções que trespassa, é porque há ali magistralidade de artesão, há uma generosa dose de amor na receita. Há algo que já não vejo há muito, densidade dramática com o qual nos possamos identificar.
Especial destaque para um dos melhores actores secundários da sua geração, o megalítico Joe Pesci, o eterno cão de fila das máfias italianas. Joe Pesci é um dos actores menos valorizados dos últimos anos, talvez devido a uma certa dose de typecasting. Afinal de contas as personagens misturam-se com o actor.
Abençoado dia em que Scorcese abandonou as drogas para se dedicar novamente ao cinema (true story).
Para quem quiser ver ou rever, passa no Hollywood na próxima 5a às 2h50 http://filmesnatv.com/filme/0081398/Touro-Enraivecido