“Esperei 13 semanas para conseguir alugar o primeiro Terminator, paguei uma multa avultada porque tive medo de entregar o Exorcista de noite, ouvi ralhetes humilhantes porque não rebobinei, estive 3 horas na fila para conseguir bilhete para a estreia de Back to the Future 2, esperei para ver a estreia nacional do Phantom Menace em Outubro de 1999 apesar de o ter no meu disco rígido desde Maio, ri e chorei, amei, apalpei, perdi metades inteiras de filmes com a língua a dançar na boca da minha acompanhante. Presenciei coisas que ninguém acreditaria. Um projector que pegou fogo a meio do Blair Witch Project, uma velha que colapsou no Schindler’s List, duas primas que nunca tinham ido ao cinema a chorar os 127 minutos inteiros de Passion of the Christ porque nunca duvidaram da veracidade da escrituras sagradas. Todas estas experiências se perderão um dia, como lágrimas na chuva. É altura para falar da importância dos clássicos.”
A pressão que é exercida junto dos média por quem faz e distribui cinema vai no sentido de fazer o público acreditar que os filmes que estão a estrear semanalmente nas salas são o culminar de 100 anos de cinema, o constante pináculo da evolução artística e tecnológica. O luxo sensorial superior a toda a lixeirada que estreou até ontem à tarde. E com este vórtice constante de estreias, críticas, sugestões e polémicas, pouco se fala de cinema que não é dos últimos 365 dias. E isto não educa quem quer ver bons filmes. Aqueles que vivem na dependência da opinião de outros para escolher as suas películas tendem a acreditar que se não é destes últimos tempos, o filme não presta.
Surge esta conversa acerca da importância da lista dos top 250 da IMDB e o facto de ser permeável à histeria colectiva e às tempestades mediáticas. Não são raras as vezes em que esteja lá um filme temporariamente durante uns dias ou semanas só porque a histeria colectiva mediática condiciona as pessoas a acreditar que aquele filme é um verdadeiro clássico digno de top 10 de todos os tempos. Depois o tempo devolve a justiça e esse filme acaba por cair.
No meio de tanto filosofar acerca de tops e da sua importância defendi que deveria de haver um critério de maturidade para listas que pretendem reunir os melhores entre os melhores de todos os tempos. Um filme só deveria ter o direito a ingressar numa dessas listas se tivesse mais que X anos, sendo que X seria (para mim) 10 anos. O tempo de um filme amadurecer e se perceber a sua resistência ao envelhecimento.
E por isso as pessoas devem ver os clássicos, filmes que resistiram à prova do tempo, que não estão datados depois de passarem uns anos por si. Filmes que geram tanto ou mais prazer a ver que estreias contemporâneas, filmes cujos elementos inovadores, performances marcantes, pontos de vista pioneiros, excelência estética, narrativa única, valor histórico ou outras tantos factores que resistem ao tempo sejam proeminentes.
Não falo do ponto de vista meramente académico, quer dizer, as pessoas não se devem maçar a ver coisas que não gostem. Mas devem petiscar aqui e ali, aceitar sugestões, intercalar cinema recente com obras clássicas. Perceber a ligação entre o Alien e o Prometheus, perceber a influência de Rashômon em centenas de obras contemporâneas, perceber onde reside o génio de George Lucas apesar de todas as asneiras que cometeu num passado mais recente, apreciar a cinematografia a preto e branco e compreender as suas vantagens chave, o valor da composição e enquadramento, aceitar que um guião é imensamente mais importante que efeitos especiais e perceber que não são os actores que fazem um bom filme mas sim o realizador ou o argumentista. Aceitar que um filme pode ser excitante sem tiroteios nem explosões, que um “filme parado” não é necessariamente um filme mau. E por aí fora…
Porque não nos devemos ofuscar com flares, com os circos mediáticos, o brilho das coisas novas e, principalmente, cerimónias onde as pessoas que produzem os filmes votam nesses mesmos filmes e criam a ilusão de que cinema é apenas aquele pequeno emaranhado de filmes genéricos baseados noutros filmes genéricos e as suas protagonistas anoréticas seminuas que defendem a moral e bons costumes com o estômago cheio de esperma de vários homens diferentes. E, muito provavelmente, um cavalo.
Alguma vez vos contei a história do homem que ensinou o seu próprio cu a falar? Fica então para outro dia.
Koniek
Estou de pé a bater palmas! Mais um texto para a galeria dos obrigatórios!
… Nada a acrescentar. 10/10, li várias vezes.
Que belo texto!!! Identifico-me a 100% com esse sentimento!
Cumprimentos cinéfilos
Ui a história do Naked Lunch, um conselho, não ensinem o cu a falar 😛
Bons conselhos sim sr.
Abraço
Bonito texto!!! Até chorei, na chuva!
😉