Faz no próximo dia 24 de Junho 10 anos que escrevi a minha primeira review de um filme sob o nome Cinemaxunga. A origem é simples e linear, sem subjectividades filosóficas ou dilemas existenciais. Estava na minha casinha de solteiro deitado a ver um filme às 4 da manhã quando me virei para os meus colegas de apartamento e disse duas coisas: “Tenho que me levantar às sete e meia para ir trabalhar e ainda aqui estou” e “Este filme é tão horrível, não acham? Estão a borrifar-se? Ai é? A Internet há-de saber disto, amanhã começo um blog e eles vão temer a minha ira, irão querer dar-me milhões para que me cale, irão ameaçar-me de morte com medo da minha voz revolucionária, irão… zzzzz” e voltei a adormecer. E, de facto, no dia seguinte criei mesmo um blog, o que vem provar que aquelas substâncias de que falam tão mal não são prejudiciais como os média mainstream, os governos neo-liberais ou os deuses do povo escaravelho que controla secretamente o planeta nos fazem acreditar. Não era o meu primeiro blog, era apenas mais uma tentativa de escrita numa interminável série de falhanços totais. Ignorei a imensa lista de afazeres que tinha pela frente no meu trabalho e comecei a escrever. Destilei um pouquinho de ódio e o efeito não foi tão poderoso como imaginei nas minhas fantasias de Spider Jerusalem. Publiquei e fui à minha vida.
O texto em questão foi o Ghost Ship (2002). Foi também por essa altura que começou a minha fase de decepção para com o cinema de Terror, depois da fase de deslumbramento com o cinema de terror asiático do virar do século. A desilusão sem fim à vista com o cinema de terror contemporâneo ainda perdura, uma espécie de amor ódio levantado à raiz quadrada de um número negativo. Durante esse verão escrevi alguns textos que não eram críticas, faziam parte de um momento de lazer que usava para me afastar das banalidades do dia a dia. Ainda hoje o faço nesse espírito. Aliás, críticas são para os críticos, porque o que aqui se faz é escrever coisas perfeitamente aleatórias tendo os filmes e o cinema como centro de gravidade. Apesar de por vezes se usar erradamente a palavra “crítica”, para facilitar a mensagem.
E assim como começou, o cinemaxunga acabou no final desse verão. Passados uns meses, desiludido com outro filme qualquer voltei à carga e chamei-lhe “Cinema Xunga 2”. O blog teve algum sucesso, dentro do seu nicho, e criaram-se grandes relação de amizade. Algumas delas ainda perduram, curiosamente. E foi neste espírito de excesso de auto-confiança que decidi saltar para o formato forum com portal de entrada, um formato bastante popular ali em 2004/2005.
Este portal/forum estava aberto a colaboradores e proliferou com fonte de discussão cinematográfica. Para quem não sabe, um forum é um mini-facebook. Uma pequena rede social que se vai transformando numa família virtual com o andar dos tempos. Foram tempos felizes, porque além das críticas e textos, havia toda uma tertúlia de que sinto saudades. Grande colaboradores passaram por lá. Dermot (do Royale With Cheese) , o David (do Cine31) também se começou a iniciar por lá, também o Carlos Reis (do Cinemanotebook) sempre activo com um pseudónimo espectacular que não vou mencionar no âmbito deste texto. Depois uma imensidão de pessoas que não sei onde andam agora. O Prim3r (eterno romântico e benfiquista inveterado com quem ainda convivo regularmente no facebook), a Dinah, o Gajodebraga, o Fat Boy, Chino, Atheos, o Jay, o Venom, o incrível Abílio Conarda… Um ecosistema de sucesso.
Podem espreitar aqui o passado com a ajuda da Wayback Machine.
http://web.archive.org/web/20041211094658/http://cinemaxunga.com/
Os tempos estavam prestes a ficar negros e o inverno da pujança editorial aproximava-se. O filho da puta do dono da empresa onde tinha alojado os conteúdos e que me tratava da gestão administrativa dos domínios perdeu o cinemaxunga.com. Mais que desolado fiquei aliviado. O peso da responsabilidade perdido permitia-me regressar à vida real. Até a saudade ter apertado novamente e registei o cinemaxunga.net e criei um portal mais comercialóide, ainda no espírito colaborativo do anterior forum.
Mais uma vez foram tempos gloriosos de partilha e convívio até tudo ter acabado porque me casei, porque não tinha tempo, porque se calhar até tinha tempo mas não tinha motivação, por tudo e por nada. Pela mesma razão que preferimos o conforto da prisão à liberdade da revolução. Cenas man, cenas!
Mais coisas ficam por contar e voltarei a elas se tiver tempo. Qual era a realidade cinéfila nacional antes dos blogs? Como eram os primeiros blogs de cinema? Como era a pirataria sem peer to peer e clouds no início da banda larga em Portugal? Isto e muito mais, brevementche…
Concluindo. Finalmente, com o primeiro filho numa curta licença de paternidade, ressuscitei o cinemaxunga no paupérrimo formato que hoje se conhece e o resto é história. Deixo-vos com um primeira crítica de sempre do cinemaxunga e que os vossos deuses vos ajudem. Nem tive coragem de a ler até ao fim. Gabo a paciência de quem o faça.
Sinopse: Uma equipa especializada em resgatar embarcações perdidas é contratada por um jovem rapaz para retirar do mar um paquete desaparecido nos anos 60. O barco tem um pequeno problema de… fantasmas!
Resumo livre: Um grupo de durões homens do mar, todos eles de barba rija (incluindo a rapariga) encontram num daqueles bares de marinheiros um rapazola que lhes propõe um rico negócio. Ora, depois da hesitação da praxe, a pandilha lá vai mar dentro à procura do barco. Depois, naturalmente, as coisas correm mesmo muito mal e o barquito que eles levam desfaz-se todo o que faz com que eles tenham que ficar no paquete. Aqui as coisas complicam-se porque afinal aquilo está pejado de fantasmas, desde a típica “menina-de-olhos-grandes-com-uma-boneca” até à banshee. Depois de meia dúzia de buracos no enredo, safam-se de uma maneira que já nem me lembro bem…
Crítica: Isto do terror é como o porno, é sempre banhada. Parece sempre que “este é que é” e acaba sempre por ser uma versão de uma versão de uma versão de uma versão. Os actores são do piorio e até o fabuloso Gabriel Byrne parece que anda sempre a olhar por cima da camera e a perguntar “quando é que pagam”? Uma performances verdadeiramente estereotipadas… O capitão durão que sabe tudo e nada o surpreende, a miuda dura rija como o aço mas que na realidade só tem pensamentos matrimoniais reprimidos (falta de peso), os side-kicks que só se arrastam por ali entre 45 e 70 minutos à espera de morrerem de maneira atroz, os fantasmitas passam as paredes mas aguentam-se no chão (física de Casper), a chefe fantasma com uns generosos peitos e o mau mais mau (evil himself)… Ou seja, um filme que apesar de durar uns 88 minutos parece que nunca mais acaba e se deixa ficar pela sucessão de mortes. O início é bom, tem um twist final ranhoso e um final daqueles “se isto render há sequela”.
Ponto alto: A sequência inicial de sangue e tripas.
Ponto baixo: Os restantes 83 minutos.
Ripado de: Filmes de casas assombradas.
Observação final: Não vale o bilhete de cinema nem o aluguer em vídeo. Esperar pela passagem na SIC.
Veredicto: Xungão
Velhos e saudosos tempos.
Já o disse por mais de uma vez e volto a repetir: foi o Cinema Xunga a minha primeira paixão na web – só usava a net para o mIRC e para sacar umas cenas dos Newsgroups. Foi o Cinema Xunga que me levou a abrir, um ano depois, o meu próprio blogue, que ainda hoje se mantém vivo. Os teus posts arrancavam-me literalmente gargalhadas à frente do meu Pentium 166 e muitos dos utilizadores que aí referiste no fórum, inclusive o Prim3r, vieram por arrasto de eu os melgar para visitarem o Cinema Xunga, num fórum de Newsgroups que utilizávamos. Por falar nisso, esse homem ainda anda vivo no Facebook, de vez em quando comenta no facebook da Take Cinema Magazine.
Aguardo ansiosamente por esses posts que falas, para relembrar esses que foram os melhores anos da minha vida. Porra, posso mesmo dizer que, tendo em conta o rumo que as coisas tomaram, tu mudaste a minha vida… Cinema Xunga, faz-me um filho!!!
Assinado: IrAoK……. porra Knoxville, Cinema Notebook!
Ah caramba, e o que será feito do Fat boy? Era um porreiraço!
Estamos a ficar velhotes não é? 😀
É bem verdade bons tempos. E velhinhos que estamos a ficar. Provavelmente vou precisar da vossa ajuda para alinhar uns factos acerca do início dos blogs e do tempo dos newsgroups.
“o Prim3r” … xii .. ja nao ouvia esse nick a tanto tempo =)
anyway . . . nunca fui muito de ler criticas apesar de ter sido uma pessoa que sempre viu imensos filmes; apenas por “ver”, sem qualquer intenção ( ou capacidade diga-se ) de escrever criticas ou de o dissertar . No entanto ( não me lembro exactamente quando foi ) comecei a ler a “xungaria” que tanto me fazia rir e fez-me ver muitos filmes de outra maneira 🙂
Ainda hoje com os imensos blogs e paginas no face que leio/vejo diariamente ( take,ante-cinema,girlonfilm,etc ) … o xunga está no topo de leitura.
um bem haja Pedro e um abraço.
Olha lá, a do Benfiquista é demasiado óbvio e ainda o sou ( alias, sou “pior” ) do que era, mas onde raio foste tu buscar essa do “terno romântico”? 😛
Ora bem,
É a primeira vez que faço um comentário numa das muitas versões do cinemaxunga. De facto, lembro-me bem de “esbarrar” na primeira versão, de ler esta critica ao penoso Ghost Shipe outras de filmes mainstream aclamados (meio caminho andado para não valerem nada) e começar a olhar para o cinema com outros olhos desde essa altura. A minha rubrica favorita será sempre a “não é xunga não senhor!” e tenho a agradecer ao Pedro pelos grandes filmes que me deu a conhecer. As obras primas de Tarantino e Chan-wook Park (ainda não vi o Thirst). Mas também outros, tais como: The Invention of Lying, Moon, Iron Sky, Zombieland, entre muitos que sem o cinemaxunga dificilmente teria visto. Obrigado e continua com o excelente trabalho.