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Star Trek Into Darkness (2013)

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No saudoso verão de 2009 saiu o primeiro tomo deste franchisado reboot e eu fui ver ao cinema, como ditou o reflexo condicionado de consumidor seguidista e pouco exigente. Durante umas semanas não falei no filme, deixei que as minhas primeiras impressões e preconceitos sedimentassem. Lá me sentei numa pedra em posição yoga e ouvi os amigos que me pediam para controlar o ódio. Vi o que de positivo se podia ver nesse filme e acabei por aceitar este novo Star Trek em realidade paralela para permitir uma nova dose de aventuras que não colidissem com as anteriores. Esse amor rapidamente passou e esta sequela nem sequer a fui ver ao cinema, porque “puta que os pariu a todos mais as sequelas”. Vi o filme quando chegou ao videoclube do povo e estou então pronto para continuar a dissecar os blockbusters deste verão de má memória, e que Deus nos livre e guarde de mais épocas assim. Tende piedade de nós.

É impossível sequer começar a falar do Star Trek de Abrams sem mencionar a artimanha narrativa desonesta que lhe deu origem. Ora, se bem se lembram, no início do Star Trek de 2009 há uma anomalia espaço-temporal que envia todo o universo desta cinquentenária saga para uma realidade paralela, algo que lhes permite cagar e mijar pela mitologia abaixo e ter sempre um argumento para confrontar os fãs mais dados ao detalhe, “Ah não, isso era na outra realidade. O Spock agora fode que nem um cavalo!”. Este tipo de coisas. Ora, agora que saiu este segundo volume da enésima encarnação startrequiana, Abrams manda a realidade alternativa às urtigas faz um semi-remake de Star Trek II – The Wrath of Khan, invertendo ligeiramente os papéis, voltando a colocar o franchise na timeline original. Mantendo sempre a teoria de que ambos os personagens podem coexistir nas duas realidades fazendo chamadas skype inter-spocks.

É preciso de fazer aqui um ponto de situação de algo que se aplica a todos os blockbusters da actualidade para que nos possamos entender. O público alvo, a maior fatia de  alminhas que consomem blockbusters são jovens entre os 12 e os 25 (vá, isto assim de cabeça) e Hollywood pensa que estes jovens são todos estúpidos. Que só aguentam videos de 3 minutos no Youtube, que não aguentam mais de 30 segundos sem consultar o Facebook ou outro catalisador de procriação similar. Que sofrem de hiperactividade e incapacidade de concentração, que não absorvem uma narrativa mais carnuda por incapacidade intelectual. Têm que ser des-sensibilizados sensorialmente para não tirarem os olhos do ecrã, hipnotizados com imagens estroboscópico. Hollywood tem ideia que as crianças (agora são-o até aos 30) precisam de ser constantemente bombardeadas e esmurradas impiedosamente com música alta, efeitos sonoros dilacerantes, acção desenfreada sem pausas, efeitos especiais permanentes (ainda que desnecessários), um ou outro laivo de sexualidade obscurecido pelo manto da modéstia judaico-cristã, não vão as crianças sair do cinema e dirigir-se imediatamente para trás de um arbusto fornicar e colocando na prática conceitos que desconheciam até ir ao cinema. E com esta filosofia mercantil se esvazia de narrativa um filme que pede aventura, desenvolvimento, conceitos científicos, geo-política, diplomacia experimental e focos de acção curtos e bem posicionados. E onde é que a saga que promete ir até onde nenhum homem foi nos leva? À baixa de San Francisco, numa perseguição a alta velocidade e um confronto final de bofetada. Eu já vi isto 5 vezes. No Dirty Harry.

Num filme deste ritmo, com as conversas chave que definem os arcos narrativos a serem feitas em corridas nos corredores, no meio de explosões, gritarias, desfocamentos estratégicos, estilhaços a voar em partículas 3D e filmados de câmara ao ombro, pouco tempo (nenhum) há para dar espaço a imagens que possam ser apreciadas, não dá oportunidade para se criar uma cinematografia decente que, como todos sabem, requer alguma estabilidade e demora nos planos e na composição dos sets.

Aquilo que transparece nestes blockbusters actuais é que parece existir um molde de argumento que se aplica a todos filmes. Os estúdios compram os nomes (Star Trek, World War Z, catálogos Marvel, Star Wars, etc) e enfardam-lhe os seus próprios conceitos pré-fabricados mandando às urtigas todo o material original. Um fast food audiovisual. Star Trek não é, de todo, um franchise de acção. No entanto JJ insiste na acção, insiste em abandonar as estrelas e concentrar os conflitos perto de casa, insiste no acertos de velhas contas. Dava belas coboiadas, sim senhor, mas não é Star Trek. Pelo menos para aqueles entre nós que perderem metade da adolescência a ver os mais diversos ângulos da federação na RTP2.

É certo que Star Trek sempre foi uma devaneio geek, cheio de mariquices e inside jokes, sendo que a série original tem mais momentos de comédia involuntária do que boa ficção científica, mas aquilo em que se transformou nestes últimos dois filmes foi num nível diferente de palermice, igualmente pateta. Estamos apenas perante uma fina camada de Star Trek recheda das mais bafientes reciclagens do cinema actual, a transbordar dos clichés Star Trek que nem deixa de fora Tribbles. Tribbles! Algo que os criadores originais tentam banir da Internet há 10 anos e estes paneleiros usam um Tribble para testar a cura do protagonista do filme. Mais valia terem lido no búzios ou no Tarot. O mais patético de tudo foi a despedida de Kirk e Spock, na reversão da popular cena de Wrath of Khan. Se em Wrath of Khan aquela despedida significou o fim de dezenas de anos de parceria, de uma vida de aventuras e uma amizade praticamente cravada no DNA, neste filme foi o culminar de 15 dias de folia de uma amizade baseada em sexo, drogas e Rock’n Roll. Já para não falar em toda a reversão propriamente dita.

Nem tudo são coisas más, Scotty tem uma boa progressão enquanto personagem e Simon Pegg não falha a entrega. As naves militarizadas da Federação vão contra todas as regras e toda a mitologia Star Trek, é verdade, mas têm bom aspecto.

A equipa que fez este filme está neste momento sob uma enorme pressão da crítica e combatem dizendo que o filme é bom e os fans é que são maus, que as expectativas estão muito altas e que pedem o impossível e que fazem birra se não lhes reconhecem a genialidade da sua miserável obra. O certo é que eles sabiam no que se iam meter, na base de fãs mais dura à face da Terra. Mais exigente e mais atenta ao detalhe e às incongruências, pessoas que vivem para analisar as falhas e sugerir melhoras.

Ah, é verdade, este texto tem spoilers. Se ainda não viram o filme não o tivessem lido.

1 Comment

  1. Ska

    Nao ha chamadas skype inter-spocks entre duas realidades, o Leonard Nimoy no primeiro filme viajou no tempo para esta realidade. De resto, tudo impacabel.

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