Na segunda metade da década de 70 William Friedkin era um realizador com Hollywood no bolso. Estava numa posição de poder escolher qualquer projecto que os meios ser-lhe-iam servidos em bandejas douradas. Podia telefonar às 4 da manhã a pedir um cheeseburger com espectáculo de anãs lésbicas amputadas cuspidoras de fogo ou exigir um sacrifício infantil em massa por imolação em triturador de carne. Sem problemas, tudo na graça do senhor. Ora o projecto que optou por realizar foi Sorcerer, a adaptação do livro Le salaire de la peur de Georges Arnaud. Poderia neste momento encabeçar todas as listas de melhores filmes, ter um estatuto de The Godfather, Taxi Driver ou Clockwork Orange mas uma improvável sucessão de infortúnios deu-lhe a extrema unção e posterior despejo nas areias movediças do esquecimento Hollywoodiano.
Não nos iludamos com excesso de malidência em relação a esta obra de Friedkin, porque Sorcerer é um filme superior a todos os níveis. De toda uma miriade de razões para Sorcerer ter levado paulada no lombo em Box Office, a mais nefasta foi a data de estreia. Estrear ao mesmo tempo de um pequeno filme chamado “Star Wars” não ajuda a carreira de ninguém. Além disso todos os actores foram escolhas de recurso. Não estou a falar de segundas ou terceiras opções, no caso dos dois protagonistas certamente que a opção em ecrã passa para além da décima. Um filme de orçamento megalítico pedia grandes estrelas. Steve McQueen, Clint Eastwood, Jack Nicholson, Marcello Mastroianni e Robert Mitchum foram apenas alguns nomes a recusar. Roy Scheider acabou por ficar com o papel. Apesar de se ter safado com o tubarão assassino de Spielberg Scheider não tem arcaboiço para carregar um projecto assim musculado às costas. E depois tempestades devastadoras,guerras civis e subsequentes mudanças de local de filmagens, caganeiras assassinas, bactérias carnívoras e o caralho a sete. Nada correu bem ao pobre William o filme foi devastado em box office. Depois foi lançado na Europa completamente mutilado para não enfastiar pobres cinéfilos em busca da porrada e pouco interessado em desenvolvimentos narrativos e densidades cinematográficas.
É uma pena que tal tenha acontecido porque o filme é muito bom, é um exemplo de uma cinematografia esquecida, de uma arte de intrincado filigrana, de devoção e detalhe. O Bluray editado recentemente faz juz à sua grandiosidade, restaurado integralmente, respeitando a visão do realizador, uma edição de luxo repleta de vontade de trazer à tona quase 40 anos de desmerecido esquecimento. Fica o trailer.
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