O hype é a unidade que os cinéfilos usam para quantificar a expectativa que antecede um filme. Bem, na realidade hype pode ser traduzido directamente por expectativa, mas por vezes precisamos de reservar uma conjunto de buzzwords para dar um extra-flair aos textos. Que em parolês significa “embelezar”. O hype também não é claramente quantificável, uma vez que vem em apenas três versões: muito, pouco ou nenhum. Ao hype damos frequentemente carga negativa porque nos estraga sempre a experiência. “Porque diziam que era bom e afinal fica a ligeiros milímetros de ser uma bela merda“. Porque se não for excelente é mau em sob condições de forte hype. Há o hype criado apenas pelo marketing eficaz da máquina publicitária do próprio filme e do seu exército de lacaios disfarçados de especialistas de imprensa e powerusers das redes sociais e há o hype das críticas hiperbolarizadas daqueles que viram o filme antes de nós e precisam de se vangloriar. O hype é como o colesterol. Há hype bom e hype mau. Há que saber distinguir para conseguir prever com alguma exactidão o outcome (buzzword para dar flair) da experiência cinematográfica. O mood que irá definir o mindset aquando do screening. Um amigo com quem temos afinidade cinéfila e no qual confiamos nas críticas e que gostou do filme pode ser interpretado como hype bom. Um parágrafo patrocinado pelas pensos higiénicos Bedhum na revista “Ana mais Atrevida” é hype mau. Uma publicação online ou um blogger independente pode ser hype bom. A esposa do homem do talho que foi esteve a passar a ferro e ouviu dizer o Goucha que um filme seria bom, é hype mau. E assim sucessivamente. Vem esta pequena introdução justificar o facto deste filme ter chegado atrasado ao meu ecrã e se fez copiosamente anteceder por um fluxo de hype capaz de evocar as mais poderosas metáforas menstruais .
Aquilo que nos atormenta neste filme é um presença. It Follows é a sensação de que algo ou alguém se mexe nas sombras para nos atormentar o quotidiano com práticas obscenas e hereges tipicamente oriundas daquilo ou daquele que é natural das trevas. Uma maldição passada de jovem em jovem por via sexual que atormenta a última pessoa a levar, ou a dar, umas valentes varadas em nalguedo alheio. A metáfora da doença sexualmente transmitida pelos excessos da juventude incauta sedenta de belas febras, salsichão, negrito, espetadas de carne e outros prazeres da carne, se é que me estou a fazer entender. Ora, o último a copular fica entalado com a bicheza de Belzebú que terá que passar ao próximo através de mais copulação. Mais ou menos aquilo que chamávamos no liceu de “passa a outro e não ao mesmo”. Se o último da cadeia morre, a maldição de reverte para o penúltimo fodilhão e assim é a dinâmica desta maleita do inferno.
O filme não vive, porém, destas criaturas do além. É o ambiente criado em torno deste conceito funesto mergulhado na falta de orçamento para grande proeza técnica que aguça o engenho de criar a atmosfera perfeita, para que a presença se faça sentir de modo omnipresente num misto de paranóia colectiva e “oh meus deus afinal não era treta de drogados e vamos todos morrer”. A competente direcção de fotografia associada e entrelaçada na trilha* sonora criam um constante arrepiar na espinha que tememos rebentar a qualquer momento num jump scare de borrar cueca. Coisa que não se materializa mas não será por isso menos aterrorizante. Um ambiente denso que se sente, se respira e se pode cortar com uma faca.
As viagens entre os subúrbios sombrios e decadentes de Gummo de Harmony Korine e a psique teenager de Carpenter, cria-se uma odisseia aparentemente desconexa que se desdobra num caleidoscópio fervilhante de imaginação, simbologia, fúria teenager e medo no seu estado mais visceral. Um filme que não está ligado a nenhuma época específica, pode ser passado, presente ou futuro próximo. Um filme que nunca desvenda completamente os seus segredos porque deles viria a nossa inquietação, a caixa de pandora que nos haveria de fazer urinar os lençóis nas longas noites de terror em que nem a nossa mamã nos poderia valer com um abraço quente e terno de alívio.
Ainda assim não é um filme tão assustador como as dores do crescimento da adolescência, da incompreensão da existência humana e o horror de se tornar subitamente num corpo adulto em cérebro de criança. Os amores que falham, a energia sexual que faz latejar de luxúria zonas que não estavam lá ontem, as agruras das emoções que fervilham violentamente e das hormonas em caldeiras de alta pressão a fazer criar a constante ilusão de que a vida poderá não ser tão interessante como as manhãs da Disney faziam prever. Perto disto uma presença vinda do sétimo círculo do inferno para nos dilacerar as carnes com correntes enferrujadas e um vórtice de espíritos maléficos nem é mau plano para um sábado à noite.
*- Diz-se trilha, não diz?
Podias desbloquear o RSS Feed, poupavas o trabalho de um gajo ter de usar o http://www.wizardrss.com/ e afins.
Não é por conseguir ler os teus textos completos no meu leito de RSS de eleição que deixo de visitar o teu blog.
BTW, gosto no novo design do site, só falta mesmo o sistema de comentários Disqus
Já deverá estar desbloqueado. Eu pensava que estaria a servir o full text em RSS mas afinal não.
Obrigado. Vou ponderar essa questão do Disqus.
Já está desbloqueado sim, obrigado 😉
Acho que não te vais arrepender em relação ao Disqus, múltiplas opções de logins, boas opções de moderação, design agradável, excelente para manter as conversas estruturadas e mais uma carrada de funcionalidades (tanto para o leitor, como para o administrador) que visam melhorar a experiência de comentar um artigo.
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