Há cerca de um ano este blog que vos escreve ganhou a categoria “melhor artigo de cinema” dos célebres TCN Blogs Awards com um texto que se entitulava “E o Netflix português? (o estado da nação)“. Entretanto, com a aproximação da implementação nacional desta plataforma, as minhas expectativas foram baixando. O mercado português não tem espaço para uma plataforma destas, uma vez que não acarreta poupanças, ao contrário do que acontece nos seus mercados de origem. Além disso, os downloads alternativos no videoclube do povo estão demasiado enraizados na nossa cultura para começar a pagar por hábitos que são, até à data, tendencialmente grátis. Ora, eis-me aqui com uma conta aberta e uma experiência curta mas intensa da plataforma. Valerá a pena despender uns 10 euros mensais extra no Netflix?
O Netflix é terreno fértil de séries, estando rapidamente a tornar-se o seu habitat natural. Eu não consumo séries, sou um orgulhoso exemplar da raça Cinebocellis, logo não serei a pessoa indicada para avaliar esta vertente. E julgo que também não será uma grande fonte de conteúdos para grandes consumidores que não esperam que as suas preferidas lá cheguem para as consumir. Talvez pelas produções da casa Netflix, que já dominam por completo o mundo da séries. Em quantidade e, dizem-me pessoas que não tenho razão para duvidar, em qualidade. Mais uma vez reforço a minha neutralidade.
O catálogo de cinema do Netflix é espartano. Para o cinéfilo mais experiente será complicado por lá achar conteúdos que ainda não tenha visto e que lhe tenham alguma qualidade. É certo que será a festa do “rever”, mas não é para isso que pagamos. Só a título de exemplo, a secção de terror tem 9 filmes, sendo que mais de 50% desses filmes são zurrapa raspada do fundo dos pântanos das produções manhosas que nem a um cão raivoso se dão a ver. E estamos a falar de um género rico em produções, cuspindo actualmente uma boa dezena de produções semanais nos mercados internacionais. Há títulos sonantes, belos êxitos, mas lá está. Tudo visto. Seria útil cruzar a informação do Netflix com as nossas contas IMDB para perceber melhor aquilo que nos falta. Eu não pagaria 10 euros por mês pelo cinema do Netflix porque acabaria por deixar de lá ver cinema com o passar das semanas.
A secção de documentários é interessante e por lá perdi algum tempo a ver capas e a ler sinopses. É uma zona da cinefilia pouco explorada na pirataria, pelo menos das zonas mais sonantes desses sites. Merece alguma atenção. Não sei com que frequência se renovam os conteúdos mas é certamente uma zona mais forte que a parte de cinema/ficção. A comédia de standup está bem representada e tem alguns títulos para vos entreter, pelo menos uma semana. Bem melhor que aqueles deprimentes farsolas do canal Q.
E estava eu quase a desistir do Netflix portugal, cabisbaixo na minha decepção quando entrei na zona Kids. Chamei os meus Gremlins e meti-os a analisar o catálogo. Os putos pareciam Francisco Pizarro a entrar nas míticas cidades de ouro, caso as tivesse encontrado. Olhos arregalados, brilhantes. Olhavam para o conteúdo em êxtase. Ele delirante com séries de Pacman, Super Mario, Sonic, uma miríade de Lego qualquer coisa, um sem fim de coisas que ele nem imaginava existir. Na cara dela só vi reflectido um intenso e flamejante clarão cor de rosa com todas as estirpes de Barbies, Cindys, fadas e princesas que existem à face da Terra e nas zonas habitadas de Marte. Os miúdos ficaram loucos com a oferta e ainda não percebi muito bem como lhes explicar que isto acaba daqui a um mês. Talvez lhe diga que foi o governo que cortou. Juntamente com 15% do ordenado do pai. E subsídio de Natal. E nos benefícios fiscais dele e no seu próprio futuro.
A quem se dirige este serviço? Não me parece propriamente uma oferta universal capaz de devastar concorrência por onde passa. Pelo menos para já. Dizem-nos para ter calma que a qualidade e quantidade vem com o tempo. Não será certamente com o meu patrocínio. Ainda não testei com proxies porque os bons são a pagar e os grátis mais depressa me levam dados bancários que me trazem conteúdos. Dizem também os utilizadores do serviço americano que vale a pena, ui ui, um fartote de conteúdos. Talvez.
Considero ser um serviço para pessoas com poucas exigências em termos de conteúdos ou que não são grandes consumidores, para malta que alinha no autocarro do hype porque é cosmopolita nova iorquino ter Netflix (mesmo que seja zurrapa dos pântanos) e para pessoas com filhos menores de 10 anos. Para eles é uma espécie de Valhalla da bonecada. Façam as contas e tomem as vossas decisões. Parafraseando o texto de João César Monteiro declamado magistralmente por Luís Miguel Cintra na Comédia de Deus (1995), “Fodam-se vocês agora que a mim já não me fodem mais.”.
Nota: Como agora não é politicamente correcto falar em sites de pirataria deixei de fora esta parte tão importante desta equação. O ataque que estes sites estão a ter por parte destas empresas, que manipulam quem de direito para obter estes bloqueios, são algo que não olho com agrado. Abre-se um precedente perigoso. Primeiro bloqueou-se o Piratebay, depois o Wareztuga, agora estes 51. Daqui a uns tempos mais meia dúzia. Até ser normal isto acontecer e deixar de ser notícia. Aí, sob a capa da normalidade e do desinteresse público, vão começar outro tipo de bloqueios. Vozes inoportunas, sites de aconselhamento numa linha diferente de quem manda, até à distopia Orwelliana.
Concordo. A oferta de filmes é pouca, de docs tem lá coisas interessantes, séries não é muito a minha praia… a zona da canalhada está bem recheada é verdade, mas como a minha filha ainda só tem 6 meses – e até começar com exigências – vai levar com os filmes do Miyazaki só para se ir habituando a boa animação… gosta bastante da Ponyo!
Quanto ao último parágrafo, true… a letargia e indiferença que grassa por aí fora é assustadora, e é em quase tudo… admiraveis mundos novos! :