O cinema de terror tem-se vindo a tornar cada vez menos literal. Nos anos 70 e 80, os monstros eram mesmo monstros, normalmente gerados a partir de fobias coletivas populares. Radiação ou detritos tóxicos que mutavam animais e pessoas, fruto da iminente guerra nuclear que estava sempre ao virar da esquina. Fantasmas e entidades do sobrenatural, oriundos de crenças ainda reais, da bicharada mágica do além. Zombies e sobreviventes de um mundo ríspido, pós-nuclear e pós-apocalíptico. Ou os extraterrestres que, finalmente, vinham cobrar as suas dívidas a este planeta emprestado. Ultimamente, principalmente com o advento da omnipresente A24, começou a materializar-se o processamento do luto e das fobias. As doenças mentais tornaram-se os novos monstros e, como se costuma dizer em tom de máxima galhofa: “os monstros somos nozes”.

Hoje falamos de um filme desta estirpe. Aparentemente apresentado como um futuro lançamento da A24, encontra-se já em streaming e nos Srs. Joaquins, sendo distribuído pela própria produtora, a Republic Pictures. Apesar dos trailers mandarem o isco A24, não há alusão em lado nenhum a este distribuidora no produto final.

Trata-se de uma história altamente estilizada sobre um homem amargurado que reencontra a sua amiga Alma, perdida numa estrada com a cabeça do seu cão ao colo. Ela diz ao nosso protagonista, um polícia alcoólico, divorciado e miserável, que precisa de matar um lobo humanóide acompanhado por ovelhas e bodes satânicos, também personificados e deambulando em duas pernas. Numa noite em que recebe o seu filho, as coisas aquecem e começam a acontecer as mais bizarras tropelias.

Muito imaginativo nos dois primeiros atos, começa a tornar-se demasiado negro no final, quando o clímax ameaça chegar, trazendo os nossos piores medos, e a escuridão abate-se sobre o filme e, também, sobre nós. É forte no twist, apesar de muito previsível para malta que navega com frequência nestas andanças. Ainda assim torna-se bastante difícil de digerir e apesar dos seus parcos meios e dificuldades associadas a alguma deficiência na representação, é um filme que nos dá duas valentes lambadas mesmo na hora antes de ir para a cama. Pais divorciados com filhos em regime de guarda partilhada irão sentir o ruborescer corporal a subir do forte pontapé nos testículos.

Alma & the Wolf, assim mesmo com esse “e comercial” pindérico, é um thriller psicológico com toques de folk horror para enganar e grandes pinceladas de terror sangrento para temperar. O seu realizador, Michael Patrick Jann, é aquele senhor que nos trouxe o magnífico Drop Dead Gorgeous em 1999 e depois submergiu nos pântanos do fugaz esquecimento para realizar 3 filmes de terror nos últimos 5 anos. Spoiler alert: andou a realizar televisão, onde o dinheiro anda todo agora.

Portanto, parco em meios e ainda assim um bela viagem criada por este belo artesão que usa bem os meios que tem à disposição.

Michael Patrick Jann

Realizador, produtor e argumentista norte-americano, conhecido pelo seu percurso no cinema e na televisão. Iniciou a sua carreira como membro do coletivo de comédia “The State”, da MTV, e atingiu notoriedade ao realizar o filme “Drop Dead Gorgeous” (1999).
Na televisão, Jann tem-se destacado pela realização de episódios em séries de referência, incluindo:
• Reno 911!
• Flight of the Conchords
• The Good Place
• Suburgatory
• Community
• Crazy Ex-Girlfriend
• Daybreak
• Children’s Hospital
• Little America
No cinema, para além do seu trabalho em “Drop Dead Gorgeous”, Michael Patrick Jann realizou filmes em anos mais recentes, mantendo-se ativo tanto no grande ecrã como em projetos televisivos.


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