Estavamos de férias e o puto torceu o pé. Todos os planos de palmilhar repetidamente, em modo robótico, as ruas turísticas daquele vilarejo balnear foram por água abaixo. Ficámos tristes por não podermos fazer a voltinha dos tristes pelas lojas de bolas e chinelos, snifar o intenso cheiro a champô e as hormonas de pitas com esperança de se estrearem na área das desilusões amorosas de verão. O plano? Ficar em casa e ver um filme. Todos já viram o How To Train Your Dragon e, mesmo antes de passar ao próximo da pastinha do Sr. Joaquim, reparei que era de 2025. “Mas que diabos…?”. Um remake em imagem real? Da mesma realizadora? Bom, o puto mais novo ainda não o tinha visto e todos nós já nos tínhamos esquecido do original. Quarenta minutos depois de o termos visto, para ser sincero. Comando na mão, carreguei no botão.

Chega o filme ao fim e fiquei com a sensação de ter revisto o primeiro, de 2010. Na minha cabeça, ao tentar recordar-me do que tinha acabado de ver, tudo continuava a ser animação 3D. O que não será assim tão longe da verdade, porque cheira a falsa imagem real por todo o lado, com atores humanos enfiados fundo em ecrãs verdes. É remake plano a plano, é verdade. Repete as mesmas linhas narrativas, os mesmos pontos de inflexão, ao ritmo mesmo tambor. O “momento de ficar boquiaberto” recai no sítio exato do predecessor, o dragão é fofo e com potencial imenso de vender bonecos. Uma mistura de cão e gato, por impossível que este conceito possa parecer. Enfim, todos gostaram. É verão, estamos em família, a vermos todos juntos, como pintainhos recém nascidos, só por isso são 3 estrelas sólidas no letterboxd (com coraçãozinho). Uma boa experiência, apesar do pé traumatizado do miúdo.

E nos dias seguintes? Bora ver os outros. Mas ainda não saíram… Tendo em conta que serão todos remakes plano a plano, vemos os de 2014 e 2019. A primeira sequela é muito boa e arrojada. A começar pelas decisões narrativas. Morre gente importante, as crianças choram porque se identificam com aquela morte. Custa-lhes. O filme extrai essa emoção ao cinéfilo. A ação é boa, o vilão é poderoso e ameaçador. Há coisas em risco, os corações palpitam em sincope síncrona. O dragão continua fofo. Toda a gente sente saudades do gato, curiosamente.

O pé do miúdo continua offline. Vamos ver o 3 no terceiro dia. Vilão poderoso, há risco e perigo. Sente-se fora do ecrã. Isso é bom. A história já é meio genérica, uma dragoa branca, decisões fortes para o futuro, amadurecimento, idade adulta, saltar do ninho e da zona de conforto. Não é tão bom como os outros, mas naquele momento era o que a nossa família precisava, para também se unir um pouco mais e sentir-se junta a gostar do mesmo, a olhar na mesma direção, sem telemóveis por perto.

Foram assim as férias, mas antes isto que um pé partido. Foi só um entorse.

PS: Afinal não é uma realizadora, é um senhor. Balofo e bonacheirão, de aspecto confiável. Deixo uma caixinha no final com informações desse homem. Que não é nenhuma mulher, atenção. Mas podia ser, somos todos modernos e assim.


Dean DeBlois é um cineasta canadiano reconhecido pelo seu trabalho na animação. Iniciou a carreira na Disney, co-realizando Lilo & Stitch (2002), e consolidou-se na DreamWorks com a trilogia How to Train Your Dragon, da qual foi autor e realizador. O seu estilo distingue-se pela sensibilidade narrativa e atenção ao detalhe visual. É também o realizador de Heima (2007), documentário sobre a banda Sigur Rós, e realizou também a adaptação em imagem real de How to Train Your Dragon.


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