Andei às voltas com os papelitos na minha carteira e decidi compilar num artigo um manual que possa fazer qualquer azeiteiro do tunning num especialista em Sylvester Stallone, porque os mais velhos se estão a reformar e não há especialistas suficientes para os substituir. Ora aqui fica então um “10 coisas que provavelmente até sabias sobre Stallone mas nunca te debruçaste muito sobre o assunto.” Com extras.
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Com o aparecimento da Internet e dos multiplexes nos anos 90, os rituais quase espirituais de uma ida ao cinema começaram a desaparecer. Ir ao cinema deixa de ser um acontecimento especial, a representação de um estilo de vida, deixa de ter magia e de doses de ansiedade por antecipação capazes de anestesiar um cavalo. Até os rituais de acasalamento da adolescência / juventude sofreram um severo retrocesso com a banalização da sétima arte. Antigamente um jovem tinha que convidar a miúda para um filme assustador para ela se agarrar durante o filme e sentir necessidade de protecção no final para que se pudesse proceder à posterior afundamento do salpicão. Hoje em dia levam as gajas para as discotecas, já semi-nuas (contaminadas de devassidão e predispostas ao mais vil gangbang), dão-lhe pastilhas de ecstasy e rebentam-lhes o cabaço sem grande entusiasmo nos seus quartinhos luxuosos de estudante. Por vezes inconscientes e outras vezes em coito interrompido devido a um “Olha, uma mensagem no Facebook da gaja que eu gosto mesmo”.
No final dos anos 80 esperava-se ardentemente o tomo 3 da saga Rambo. Era uma ideia que nos dissolvia o cérebro por dentro, não nos deixava raciocinar para além da expectativa da matança anunciada que se aproximava, qual profecia divina. O Escolhido iria mais uma vez salvar os oprimidos naquele que seria, indubitavelmente, o maior banho de sangue da História. Eu e o Zé fizemos uma jura de sangue que iríamos ver o filme juntos, mal estreasse. Para nós não havia muita coisa sagrada. Trocávamos os livros do Patinhas, os discos de vinil (excepto o Master of Puppets e o Number of the Beast) e até as namoradas podiam ser emprestadas se tal fosse necessário. Mas as promessas de sangue eram para cumprir e se envolvessem o Rambo pior ainda. Mas nesse malfadado Verão, consumido por uma desejo incontrolável, fui ver o filme na primeira oportunidade que tive, sozinho, sem o Zé. A sombra da traição ainda hoje me persegue, como um nuvem do Apocalipse que ainda hoje me provoca um ligeiro desconforto a cada vez que vejo o Rambo 3.
Infelizmente, todos nós sabemos a anatomia de um filme de gaja, pois temos que o gramar ocasionalmente para preservar a harmonia conjugal. Mas o filme de gajo? Existe filme de gajo? Existe sim, e é em Crank 2 que este conceito atinge um novo patamar: violência desmesurada, sexo gratuito, perseguições diabólicas, o mais profundo desprezo pelas leis de Newton, sangue aos baldes, montagem rápida, bordoada de três em pipa, um herói duro como o aço capaz de resistir a uma queda de um helicóptero.Tendo todas as características para ser um mau filme, acaba por ser estranhamento apelativo e está cientificamente comprovado que faz os testículos mais negros.
Crime is the disease. He’s the Cure. Frase pastelona esta que servia de slogan a mais uma matança surreal dos anos 80, antes do politicamente correcto se apegar à nossa sociedade como um tumor maligno. Cobra é um icon dos anos 80 e do seu entretenimento ultra-violento no despontar do cinema de ultra-acção como blockbuster. Apesar de ser um sucedâneo de Rocky e Rambo, Cobra é por sí só um case study social. Numa altura em que havia poucos estudos acerca da recém criada ultra-violência urbana, os argumentistas e produtores aproveitavam a ignorância do seu povo para enfiar todos os mais surreais defeitos nos vilões dos filmes. Aqui temos um vilão violento, que come crianças, mata gratuitamente, é nazi, de extrema esquerda, de extrema direita, não usa a passadeira para atravessar a estrada e fuma. Meu Deus, demónio fumador como todos os fumadores do mundo celuleico. (celulóico?)
Este fim de semana revi o Rambo 2. Foi tal a dose de matança que fez de mim mais homem. Como se me tivesse crescido um quarto testículo. Uma vontade imensa de estripar apoderou-se de mim mas depressa esmoreceu quando Rambo cedeu ao romance e beijou a chinesa. Já não me lembrava dessa cena. Mas o amor é rapidamente interrompido pela execução sumária da amante oriental (uma rajada de balázio nas mamas). E a partir daqui é morte, destruição, carnificina, violência gratuita e uma eterna existência onanisma para o nosso musculado herói.
Mais do que um dos melhores filmes de acção de todos os tempos, Rambo é uma catástrofe natural à escala global alimentada a testosterona pura. É preciso ser da minha geração, que teve em Rambo um dos ídolos de adolescência, para compreender este fenómeno. E todos nós, os trintões, sabemos que não há volta a dar. Podemos falar mal, dizer “Ah, já tá velho e gordo”, mas vamos invariavelmente ter que o ver. Largamos as namoradas e esposas algures, porque este não é filme para se levar uma gaja.
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