Um homem que declama lamúrias teatrais com os olhos postos no vazio. Uma mulher que gesticula dramaticamente num misto de epilepsia com ímpeto de cólera, mas muito lentamente. A arte do anacronismo como choque social. No freakshow que é o cinema português eis Manoel de Oliveira, a nossa mulher barbuda.
Aos 100 anos continua a fazer cinema, ao ritmo preciso de um por ano. Manoel de Oliveira é meio realizador, meio mito. Toda a gente fala dele, toda a gente tem opinião pré-formatada do seu trabalho. No entanto são poucos os que lhe veêm os filmes. E neste ponto não os podemos criticar, porque da maior parte das vezes têm razão.
Singularidades de uma Rapariga Loura é uma adaptação de um conto de Eça de Queiroz que nos fala de um homem com uma terrível paixão por uma miúda loira que costuma observar da janela. Sacrifica a sua vida para ficar com ela e no final alguns acasos do destino tornam-lhes a vida bastante complicada. Não é propriamente uma história original e o final abrupto, o avô do twist, mais do que surpreender deixa-nos um “what the fuck?” pendente. No mau sentido. Digamos que se adapta perfeitamente à estética Oliveira e aos seus finais ao estilo “homem do talho”.
Manoel pega nesta história como pega em todas as outras. Passa-a a ferro e injecta-lhe melancolia até ao tutano. Dá-lhe uma mecânica declamatória e teatral um bocado irritante e irreal. Se fosse surreal seria bem mais agradável. E o filme lá vai, em passo lento como se fosse inteiramente feito de slides.
Mas não se pode dizer que seja um filme mau ou aborrecido. Nem por isso. É curto, uma hora. Passados os confrangedores primeiros 20 minutos as coisas começam a aquecer e até nos habituamos à bizarra dinâmica do filme, que é muito semelhante à dinâmica dos outros filmes. Podemos ser optimistas e encarar aquelas posturas super rígidas e coloquiais como sendo opção artísticas e alguma estranha forma de crítica social, mas acho que é mesmo um reflexo da sociedade do tempo em que o cérebro de Oliveira armazenava memórias.
Acho que o unico filme do homem que vi até agora foi o “Non, ou a blá blá…” na RTP2 (tenho a impressão que não vi até ao fim…) , mas se este só tem uma hora estou disposto a dar-lhe nova oportunidade, mais que não seja para poder criticar o estilo do realizador mais velho em actividade (ou não…)
Acho imensa piada à forma como falas de oliveira (e não é só deste post). nota-se um misto de gosto e estranheza. o singularidades, até pelo tempo que demora, é capaz de ser óptimo para quem se quer iniciar em oliveira. vi pouco dele, também (a caixa, de que gostei muito, tive uma desistência no non, ou blá blá, que é muito pachorrento). mas no singularidades até gostei do twist. parece coisa à eça, da ironia das farpas ao mesmo anti-climax (passe a escala) dos maias. não há um grande triunfo no final do singularidades, até porque parecia natural que aquilo não fosse acabar bem. há teatralidade, mas também há planos que parecem metidos à pedreiro. o que até é bom. não me parece que seja um realizador certinho. oliveira não é um beto.
Quando em algum dos filmes de Manoel de Oliveira os actores não parecerem deficientes da fala que decoraram um monte de texto sem saber muito bem o que é que ele significa, avisem-me.
Ainda a propósito da entrevista do M.Oliveira aos Cahiers de 9/09 – aquando da premiére de Singularidades de uma Rapariga Loura .
Um filosofo espanhol disse: as circunstancias podem levar qualquer um a fazer qualquer coisa! M.Oliveira, afirma que faz filmes ,”e isso o tem impedido de matar pessoas… mesmo quando a crítica não é boa! “(risos.), interessante é Volker Schlöndorf, que faz filmes de naturaza completamente diferente, ter afirmado nos anos 70 : ” eu não ponho bombas …faço filmes”, quando questionado sobre se simpatisava ou não com os militantes da R.A.F. (Fracção do Exército Vermelho ).
Duas afirmações semelhantes , mas no fundo diametralmente opostas…
À duas ou trés semanas atrás foi a entrevista e um artigo nos Cahiers a propósito do “Singularidades de uma Rapariga Loura”, deliciei-me com o tom filosofico no início…etc.– claro que sabia de antemão qual seria o rumo daquilo, uma critica rendida incondicionalmente ao ” maior génio vivo do cinema”- palavras dos mesmos Cahiers á anos atrás.
Hoje este texto, que presumo ser da tua autoria, BRAVO!… claro que não concordo inteiramente, sou do contra, mas é uma críitica inteligente (com imagens lindissimas), irónica e bem humorada, de alguém que se vê ama a palavra escrita e o cinema (o do Manuel de Oliveira… também) . Obrigado
ps:…oops… ainda não vi o filme…