A qualidade de um filme de terror não se mede pelos sustos rápidos de fantasmas a aparecer no espelho do WC acompanhados por estridentes cordas de violino a serem fustigadas em tons agudos de rachar vidro. Isso vem e vai e voltamos ao estado inicial. Também não é pelo gore ou pela ultra-violência a que estamos já todos habituados, até porque passa pior no telejornal. O impacto de um bom filme de terror mede-se pelo medo que nos passa, pelo pânico a nível visceral que transmite, por conceitos e imagens que nos fazem ponderam a nossa própria reacção na pele daquela gente em apuros que grita no grande ecrã. E destes filme há poucos, pelo menos ultimamente. Tem sido só maquilhagem zombie, sangue digital e CGI para as mutilações. São filmes como Exorcist, Shinning ou Pet Sematary que nos fazem acordar a meio da noite encharcados em suor e verificar se os nossos entes queridos ainda lá estão bem de saúde. O medo, meus amigos, não se resume a uma luta pela sobrevivência. O verdadeiro medo que habita nos mais negros pesadelos é estar a perder quem mais se ama e nada se poder fazer para o evitar.
O que faz deste filme um marco no medo cinematográfico? Para responder a esta questão devemos analisar a narrativa com algum detalhe. Um casal muda-se da cidade para o interior dos Estados Unidos. Têm um adorável filho de 3 anos e um gato. A vida não corre mal. Um dia alguém lhes conta que o cemitério de animais perto de sua casa tem poderes paranormais e tudo o que lá for enterrado ressuscita. O gato morre. O marido enterra-o no cemitério e no outro dia o gato regressa. Não é o mesmo gato, é uma abominável criatura das trevas com ganas de esventrar o dono à naifada. O homem tem que fazer desaparecer o gato, desta vez de modo permanente. Algum tempo mais tarde o filho é atropelado e morre. Um pai consumido pela mais profunda tristeza recusa-se a fazer luto e enterra o filho no cemitério para o recuperar. Ele sabe as implicações deste ato e arrisca. Afinal de contas quem não o faria? O filho regressa. Demon Child. Não é o mesmo, só quando precisa de vantagem se faz passar pela doce criança que em tempos brincou no baloiço daquele melancólico jardim. A criança adora bisturis. O bisturis amam tendões de Aquiles. Mata a mãe. O pai tem que dar paz ao seu filho, desta vez tem que o matar. Duplica a angústia, a agonia ameaça nunca mais o abandonar. Enterra a mãe no cemitério. Ela acorda. God damn you all to hell! FIM
Bem, ali pelo meio há umas matanças, facadas, mortos vivos, o costume. Mas não é isso que assusta, o que é verdadeiramente aterrador é a posição daquele pai em ter que matar o próprio filho. Se já na altura me meteu alguma confusão, aos 17 anos, imaginem agora. A maior parte do público alvo deste blog é malta nova, sem essas noções de paternidade, malta que acha uma lamechice essa coisa de ter putos e andar sempre a falar neles e mostrar as fotos na carteira. Mas deixem-me que vos diga uma coisa, se vocês forem pessoas normais e tiverem um dia filhos (duas condições independentes, note-se) irão perceber que isto da lamechice não é mais que o alinhamento natural da maturidade humana. Amar os nossos filhos para além de tudo o que alguma vez amámos ou amaremos é uma coisa natural, hormonal, visceral, algo que não se controla. Não nos torna mais boiolas ou molengos, até porque continuamos a odiar a maior parte dos filhos dos outros como sempre odiámos desde pequenos. E é isto que verdadeiramente assusta, este medo de perder o que mais amamos que faz de um filme de terror um sucesso.
Pet Sematary é um filme mal amado. Há quem o deteste e defenda a incineração de todas as cópias. Mas quem pode detestar um filme cujas músicas principais da banda sonora seja tocada pelos Ramones no auge da sua hegemonia? E logo com duas das suas melhores músicas. [inserir gritinho de adolescente]
De notar ainda que a palavra Sematary do título vem de uma placa feita por crianças com um erro ortográfico. Esse nome é passado para o nome do filme e do livro. Nos Estados Unidos mudaram o nome para Cemetery porque ninguém percebeu a opção artística do título.
E agora vamos ao que realmente interessa, Ramones:
Parece que amanhã já tenho com que me entreter :3
btw: que novas coisas para comentar tão chiques
“Amar os nossos filhos para além de tudo o que alguma vez amámos ou amaremos é uma coisa natural, hormonal, visceral, algo que não se controla. Não nos torna mais boiolas ou molengos, até porque continuamos a odiar a maior parte dos filhos dos outros como sempre odiámos desde pequenos.”
Identifiquei-me por demais com isso. Mas não pretendo ser mal visto por minha “rede social”, então portanto manterei a predileção por esse trecho restrita a este blog.
eu sou daqueles que defende este filme! Vi-o quando era novinho e impressionou-me… recentemente revi-o (e à sequela) e para mim mantém toda aquela inquietude que senti ao ver a primeira vez….
Sobre a crítica nada a dizer: sao destas críticas que deveriam ser nomeadas a esses prémios que existem na blogosfera!
Este é daqueles filmes que me meteu medo.. muito medo, ainda me lembro de comprar a VHS no videoclube aqui da zona por 2.5€ quando o dvd começava a surgir, tudo escuro cassete no vídeo e sessão de terror inesquecível, infelizmente agora é sangue,tripas e etc..
“Amar os nossos filhos para além de tudo o que alguma vez amámos ou amaremos é uma coisa natural, hormonal, visceral, algo que não se controla. Não nos torna mais boiolas ou molengos, até porque continuamos a odiar a maior parte dos filhos dos outros como sempre odiámos desde pequenos.” Acho que nunca concordei tanto com uma frase. Juro. Tenho 3 meninas e nem por isso consigo perceber a piada dos bebés que não tenham os meus genes. E de miúdos de idade aproximada das minhas filhas…nem digo o que penso, daria um filme choque.