Há uns meses atrás tive o infortúnio de assistir a um testemunho de um jovem que se sentiu impressionado em demasia com Drive, filme de 2011 de Nicolas Winding Refn. O garoto andava perdido na vida, sem planos de futuro, sem namorada, sufocado em casa dos pais, desmoralizado e sem esperança num mundo melhor. Depois de ter visto a luz no enxameio de bofetada requintado protagonizado por Ryan Gosling decidiu passar as noites a conduzir pela cidade a ouvir a banda sonora do filme e a imaginar cenários de grandeza. Um dia foi ao McDrive e manteve a música em generoso volume. Foi atendida por uma gótica meio metalizada que provavelmente tinha dois piercings no clitóris. Ela sentiu uma atração por ele e iniciou um agressivo processo de flirting. “Olá”, “Como te chamas”, “Boa música!”, etc, até que chegou à terrível pergunta “O que fazes?”. O moço respondeu “Conduzo!” com um inexplicável orgulho. E ela volta à carga ligeiramente confusa “Conduzes o quê? Um taxi? Uma carrinha de entregas?”. Nesta altura o jovem sentiu o peso do ridículo e arrancou, tendo-se esquecido de trazer a encomenda. Podia-se adaptar para o remake português do filme. Chamar-lhe-ia “McDrive”.
Ao contrário do nosso herói de McDrive, nunca me senti especialmente impressionado com Drive. Compreendo o fascínio que viçosas noviças, balzaquianas ou entradotas semi-novas possam sentir por aquele estranho conceito de autismo chamado Ryan Gosling, porque é um jovem misterioso cujo olhar esconde aventuras sem fim e uma vida de inconsequente loucura. Também compreendo que rapazes sem rumo de vida definido, sem família para sustentar, sem tarefas para cumprir e sem o compromisso de contas mensais para pagar se possam sentir atraídos por este flamboiante mundo de pessoas ligeiramente retardadas mentais que passam a vida a conduzir e a bater em outros cepos intelectuais que se lhes juntem nas voltas do destino. No meu caso em particular é algo que não impressiona, porque já lá vai o tempo. Faz-me lembrar quando saiu o Fight Club. Os jovens vintões queriam queimar o mundo que não lhes servia os interesses e as jovens vintonas queriam à canzana com o Tyler Durden.
Não estamos aqui para falar de Drive, estamos presentes para discutir Only God Forgives. É certo que não se pode falar dum sem mencionar o outro, porque o impulso mediático e o hype que o precedeu vieram exactamente do predecessor. Ora, Only God Forgives é um filme com vários tipos de insuficiência. A começar pela narrativa simplista e preguiçosa, que atalha em demasia fazendo parecer uma país soberano e um estado de direito como é a Tailândia na mais vil republica das bananas, a festa do cliché tailandês. O simbolismo serve para tapar estes buracos narrativos e para disfarçar a preguiça na escrita com esta aura de misticismo misto que não serve a ninguém. Tudo pelo estilo e pela pose.
Muito se fala de Ryan Gosling, mas tirando o facto de humedecer os entrefolhos a moçoilas facilmente impressionáveis, não lhe encontro mais nenhuma qualidade. O seu semblante misterioso disfarça um lerdo tijolão que não pode abrir a boca sob o risco de deitar tudo a perder. Tem 22 falas durante o filme, um filme onde é protagonista omnipresente, note-se. Um mero elemento decorativo. A minha avó tem um quadro da crucificação de Jesus a enfeitar a sala, o Nicolas Winding Refn tem um Gosling a decorar-lhe o filme.
Há coisas boas neste filme. O cuidado com a cinematografia e o design de iluminação é notável e bem sucedido. A palete quente e pecaminosas está bem dentro do espírito do sangue a jorrar. Fosse este excepcional trabalho bem aproveitado pelo inepto realizador e estaríamos perante algo que poderia escapar às garras destruidoras do esquecimento.
No geral é uma decepção para todos, tanto para quem não nutre especial idolatração por Refn como para aqueles que passaram a usar um kispo com um escorpião atrás 365 dias por ano.
Concordo plenamente contigo. Uma decepção completa. Boa critica e excelente blog. Irei seguir com atenção!
Abraço!