Desde 24 de Junho de 2003

“I hope the russians love their children too”–A Guerra Fria a ferro e fogo.

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Lembro-me perfeitamente do medo dos russos, dos seus misseis, da sua radiação, da sua eminente invasão. A paranóia era tal que as pessoas criavam cenários pós apocalípticos tão aterradores que os levavam a esgotar os mantimentos nos supermercados e a fazer caves anti-bomba por baixo das suas casas. Os jornalistas gritavam histéricos como apresentadores do telejornal da Coreia do Norte e alguns até molhavam as calcinhas apavorados com receio da aniquilação global.  E isto em pleno 2014, quando anexaram a Crimeia, imaginem agora como era no tempo da guerra fria em meados dos anos 80, aquela fase que presenciei. O certo é que a visão que tínhamos dos soviéticos era a que nos fornecia o cinema americano, distorcido até ao absurdo pela máquina propagandística da liberdade e democracia, nem que seja infligida à bofetada. Vamos hoje falar de alguns hits da altura e do seu impacto na minha impressionável  mente.

Rocky IV (1985)

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Depois das suas tropelias para ser tornar campeão dos Estados Unidos, Rocky Balboa cai no meio de uma querela ideológica embrulhada na mais aveludada propaganda. Os soviéticos, esses patifes, queriam fazer uma actividades pacíficas em solo americano. Para isso exibiram o seu mais precioso guerreiro como se se tratasse de um boi premiado em feiras internacionais. O brutamontes mata acidentalmente (será? tchan!) o melhor amigo de Rocky, Action Jackson, e o nosso herói tem de ir à URSS espalhar a bela da democracia nos corações dos bolcheviques desejosos por hamburgueres, pizzas e posters de gajas nuas para não terem sempre que esgalhar o pessegueiro a pensar em gado caprino.

A imagem com que se fica dos russos (soviéticos, vá!) é que são batoteiros e não olham a meios para ganhar a guerra. Neste caso com um lutador geneticamente modificado alimentado a hormonas de cavalo. Por outro lado temos a América virada ainda para o omnipresente sonho à mão de semear a quem se esmerar no trabalho. A montagem do treino do Rocky e do bisonte russo mostram bem a diferença que os criadores do filme no queriam fazer acreditar. No final ganhou o Rocky e todos os russos bateram palmas e pediram para ser assimilados.  Queriam ver cinema ao ar livre dentro do carro  e tirar a virgindade às namoradas no baile da escola. Estavam manifestamente fartos de gado caprino. “Faz-me um filho Rocky!” diziam as russas na esperança de nacionalidade gringa.

Red Dawn (1984)

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Num belo dia de semana como qualquer outro, numa pacata aldeia do interior americano, os EUA são invadidos pelos soviéticos. Ataque total à escala nacional. De uma só vez os ruskies tomam o magnífico país das oportunidades e começam a violar as mulheres, gado de médio porte e freiras idosas entrevadinhas de cadeira de rodas e a comer as crianças ao pequeno almoço. Um grupo de jovens foge para as montanhas na esperança de criar um foco de resistência capaz de enviar aqueles malandrins comunistas para o olho do cu celestial de onde vieram. À lei do balázio, claro!

A imagem que fica da Rússia é a de crueldade sem emoções, uma voracidade irracional de devastar o inimigo. Frios, calculistas, gente que não merece misericórdia na hora de puxar o gatilho de um lança chamas. A invasão é mal explicado e do ponto de vista politico-estratégico não tem lógica. O que interessa é ver um grupo de crianças a vingar os seus pais e a tomar de volta as terras que são suas por direito. Isto, claro, depois de as terem roubado aos indios. Tecnicamente não se rouba nada se os antigos donos estiverem todos mortos sem herdeiros, não é?

Red Heat (1988)

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Mais uma vez um russo sobre humano, um bisonte das estepes estéreis da Sibéria, um filho dos Gulags, sem sentido de humor, provavelmente virgem e com um braço direito que arranca sinais de trânsito pelos alicerces. Vem investigar um crime aos Estados Unidos, abomina completamente a sociedade ocidental até começar a perceber que McDonalds e os carros de 5.000 cc são algo que gostava de ter. Buddy movie, personalidades extremas que no final cria amizade, peixe fora de água, um churrilho de clichés que só passam agradavelmente porque o bisonte das neves é um Arnold Schwarzenegger no pináculo da fama.

O filme começa com cenas fortemente homo eróticas que demonstra implicitamente que os russos são todos paneleiros, vão para termas ignorar gajas a comerem-se e a implorar por um pouco de salsichão moscovita, para andarem à porrada e tocarem-se nas partes púdicas. Russos frios, calculistas e vazios de espírito que enriquecem com a experiência de visitar a magnificente américa dos anos 80, a mesma que nos trouxe a utilização das caixas de papelão de arcas frigoríficas para dançar breakdance e leitores de cassetes tão poderosos que 60 pilhas davam para 5 minutos de música.

Rambo III (1988)

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Sylvester Stallone mais uma vez na vanguarda da propaganda militarista americana da guerra fria, desta vez a ajudar os pobres rebeldes Mujahedeen a sair do jugo soviético, desses sádicos safardanas que não hesitam em pulverizar crianças com lança misseis só porque lhes estão a tapar a linha de vista para a ementa semanal do refeitório. Rambo mata soviéticos em larga escala e jogo polo com ovelhas mortas, a tão reconhecida tradição americana de respeitar costumes locais, principalmente dos povos do médio oriente. No fica tudo fica bem e os Mujahedeen sobrevivem mais duros que nunca para lutar outras guerras que envolvem novamente americanos e ex-arranha céus.

Os demoníacos soviéticos e a sua desproporcionada artilharia. Mestre na arte da tortura e do desrespeito por todas as convenções internacionais no que diz respeito a guerras e outras actividades de crianças grandes e países ricos. Rambo faz-lhes a folha e ensina às plateias que aquela gente não são flores que se cheirem. É que da Russia nem bom vento nem piedoso bombardeamento.

WarGames (1983)

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Um jovem hacker penetra pelas traseiras de uma mainframe do pentágono e, como puto estúpido que é, mexe onde não deve e coloca o mundo no precipício da 3ª guerra mundial.

Não me lembro bem dos soviéticos no meio disto tudo, porque já não vejo o filme desde os anos 80. Mas não deviam ser cavalheiros honrados, digo-vos já!

Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb (1964)

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Um general tresloucado pretende acabar de uma vez por todas com o impasse do “ataca / não ataca” e dispõe-se a dar início ao Apocalipse. Os responsáveis pelos dois lados da guerra fria não se entendem e a sua missão de evitar o armagedão parece estar comprometida.

A visão coerente de Stanley Kubrick mostra-nos exactamente como as coisas são: é tudo farinha do mesmo saco. Mensagem que se tornou, desde então, universal no que diz respeito a manobras políticas e estratégia bélica.

Se estavam à procura de profundidade humana, desenvolvimentos complexos de personagens e de uma caracterização politica e social que não venha directamente de um cartoon para crianças de 8 anos, tirem o cavalinho da chuva que a máquina de propaganda Hollywoodiana só tinha um lema: “Um bom russo é um russo morto ou intelectualmente subdesenvolvido.”

Para terminar vamos todos meditar ao som da música do Sting de onde surgiu o fantástico título deste artigo. Peace out.

2 Comments

  1. Ozpinhead

    Ainda podias acrescentar filmes de James Bond onde os Russos tinham sempre algum protagonismo.
    Já agora, outros filmes dos anos 80 com protagonismo Soviético ou em que se sentia o clima da Guerra Fria e que me deixaram boas memórias:
    Firefox
    Fourth Protocol
    Miracle Mile
    The Beast of War
    By Dawn’s Early Light
    Este último é tecnicamente dos anos 90 mas por pouco e porque se calhar pouca gente conhece tal como o Miracle Mile. Ambos estão disponíveis no YouTube.

  2. pedro

    Nunca vi o Miracle Mile nem o Beast of War. Vou tratar disso.

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