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À distância, o ano cinematográfico de 2015 faz-me lembrar aquelas viagens baratas em hotéis de 3 estrelas da Tunísia que compramos fora de época em promoção por catálogo. Tudo parece luxuriante, paradisíaco, o local perfeito para (nem acredito que vou dizer isto) “recarregar baterias”. Uns meses em delírio expectante e quando lá chegamos não se encontra nada do que foi prometido, os pontos de interesse do catálogo ficam separados por centenas de quilómetros e mesmo assim resumem-se a um único ponto de beleza, que foi o ângulo captado pela câmara. Aqui estamos nós em 2015, no ano que o alinhamento de blockbusters era tão perfeito que em 2013 havia geeks a querer hibernar para passarem depressa estes dois anos. Em 2015, no olho do furacão, na época alto do blockbuster e olhando em volta é a desolação do costume. A coboiada dos heróis de licra e os CGI-fests.

Estreou o novo Avengers, depois de anos da mais poderosa campanha de marketing e lá foi o pessoal em peregrinação. Aqui em Coimbra eram estradas fechadas, polícia anti motim. Fanboys da borracha negra de um lado, peregrinos de Fátima no outro. Olhavam-se de alto abaixo, em desafio. “O meu Deus é melhor que o teu”, gritavam uns, “Ajoelhem-se perante Odin, reles mortais!”. E foi isto o dia todo. “Arrependam-se dos vossos pecados”, “Cuidado com os raios Gama”, “A viúva negra é uma galdéria”, “ Onde é que o Hulk compra as cuecas? Tenho que lá comprar umas para a tua mãe”. Qual dos dois cinematic universes mais ricos em detalhe ficcionado e contradições narrativas.

E de facto o novo Avengers não é um filme bom. É um produto de uma marca que nos tenta vender os brinquedos e o seu merchandise. É longo e demasiado povoado de protagonistas, as abordagens são lineares e infantis, a narrativa é previsível e as cenas de acção são confusas e rápidas. É triste a malta ir ver um filme de acção e chegar a um ponto em que espera que acabe depressa a porrada para ver se a narrativa anda mais um bocado. Produz, surpreendentemente, um bom personagem. O arqueiro que é o único que ganha textura e profundidade numa galeria de bonecos cartoonescos e monodimensionais. O arqueiro é a única pessoa no filme todo que queremos que sobreviva apesar do artefacto que faz existir todo este afecto ser básico. Mais uma vez o esquema Marvel do artefacto perdido que brilha, os heróis não o recuperam logo porque estão descoordenados e com excesso de confiança, pausa para confraternizar, agora sim amigos e unidos. O deus ex-machina para terminar numa altura em que tudo está perdido é demasiado preguiçoso e não há background nos comics que o redima. Apesar de eu não fazer ideia de que background é esse.

Na altura critiquei levianamente, em tom provocatório, o facto de o vilão ser um cliché profundo, uma criatura de inteligência artificial, criado no misto da mais pueril ficção científica cuja missão seria proteger o planeta. Ora esse vilão acabaria por chegar à mesma conclusão que todas as entidades de inteligência artificial que são criadas para proteger o planeta em qualquer filme; o problema são os humanos, uma vez aniquilados o planeta alcança o tão desejado equilíbrio. Não deixa de ser verdade mas, bolas, somos humanos e queremos viver! O bombardeamento fez-se sentir de imediato. Afinal estava tudo nos comics, o conceito original precede qualquer filme que fale disso nesses tons. Pode ser verdade, não me sinto com energia para procurar, mas tanto neste filme como em todos os outros que sejam dirigidos às massas, ao planeta inteiro, os dados narrativos para a compreensão dos acontecimentos devem constar do decorrer do filme ou do seu franchise cinematográfico. Não deve ser deixado nada de fora que deva ser completado com literatura ou o material original que deu génese ao filme. Porque se assim for, tal tem que ser aplicado a todos os filmes da história do cinema. A maior parte dos filmes mal executados, mal recebidos ou mal compreendidos pelo público teriam muito mais compreensão se no final, no meio de uma multidão em fúria, viesse o realizador explicar tudo aquilo que pareceu desconexo a todos à excepção dos três únicos espectadores presentes que efectivamente conheciam a obra a fundo. É irreal e desonesto que a Marvel/Disney/SatanWorks espere que todo o mundo veja o seu filme e o compreenda quando na realidade só 10% dessa malta se atreve a mergulhar na banda desenhada e nos origins.

pimba pimba

Dito isto não me parece que seja um argumento para odiar o filme. As pessoas que gostaram dele devem admitir que tem algumas falhas e ainda assim o amarem. Não devem exigir que todos o achem perfeito. Acontece com todos nós. Quantos são aqueles que entre nós amam filmes que são maus, medianos ou moderadamente horrendos? Todos nós. TO…DOS… Imaginem que têm um cão que amam, brincam com ele, rebolam-se na relva, cresceram juntos, só que o cão é feio ou falta-lhe uma pata. Ou é cego ou tem um olho de fora. Não será o facto de toda a gente vos dizer isso que vos irá fazer amar menos esse cão. Mesmo com as falhas. Neste cão em particular admito que quem lê estas histórias há anos goste de ver materializado no ecran todo o seu fanboyismo militante e que lhes seja difícil de engolir o sapo do falhanço deste filme enquanto obra máxima do género, neste caso o género “blockbuster pipoca inflamado”.

Já passei essa fase. Não são raras as vezes em que me atiram com o Prometheus. Eu gostei muito do filme. Só que mesmo com todo o material que lhe dá origem, todas as palestras e comentários do realizador do Bluray há coisas às quais torço o nariz, peças que não encaixam ou encaixam a martelo. Ainda assim é um rico filme que me faz sorrir. “É impossível uma gaja fazer um aborto e passados 30 segundos andar a correr que nem uma campeã olímpica”. É verdade, mas gosto na mesma. Na volta elas no espaço até ficam mais rijas, quem sabe?

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