jurassicworld

Viva amiguinhos! Para este primeiro parágrafo vou pedir-vos que fechem os olhos e me imaginem a descrever com doçura e paixão as memórias que tenho do primeiro Jurassic Park e como ele me moldou a mim e ao cinema em geral. Isto estando eu sentado num confortável sofá vintage com uma manta de patchwork em frente a uma farta biblioteca recheada da mais poderosa literatura do planeta. Alguns livros ainda embrulhados em celofano. Num dos cantos está uma lareira que crepita freneticamente aquecendo as minhas pernas nuas e a música de fundo é Ballade Pour Adeline de Richard Clayderman que aumenta de intensidade à medida que as minhas próprias memórias me obrigam a lacrimejar e a invocar aquela última vez em que a minha tia avó Natércia nos acompanhou ao cinema para ver… exactamente, Jurassic Park de 1993!  E como toda esta narrativa enrola de modo inteligente no início do texto que se seguirá no segundo parágrafo. 

Não sou propriamente o fã incondicional de Jurassic Park como a maior parte dos meus leitores, mas tive a minha dose de nostalgia conforme se pode ler no primeiro parágrafo deste texto. Isto torna-me imune ao festival de charme que é Jurassic World, um filme que se apoia mais em sacar compaixão nostálgica do seu predecessor original do que em ser um filme em condições para que a fortuna que custa o bilhete + pipocas não insulte o incauto cinéfilo. Uma das características mais vergonhosas deste saca-nostalgia é a utilização exagerada da música do original, mesmo nas situações mais banais. Um carro, perdão, um Mercedes a estacionar, música original, um helicóptero no horizonte, música original, um plano da ilha, a música original, Chris Pratt vai cagar ao mato, música original.

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Aquilo em que um filme deve assentar toda a sua força é numa narrativa coesa e apelativa. E é aqui que Jurassic World falha. Ao apostar todos os trunfos em dinossauros mais assustadores, maiores, mais barulhentos e com mais dentes (e estou a citar) esquece-se de que escrever arcos narrativos com lógica deveria ser uma prioridade. Os raptors são disso exemplo. Em cima deles cai um dos pontos chave do filme. Que afinal podem ser domados, controlados, aceitam ordens. Podem ser usados como armas. Até ao momento em que encontram o Indominus Rex, um animal que apesar de partilhar alguma genética não é um raptor. Ainda assim mantêm uma amena conversa, uma aliança estratégica com se decidem a voltar as costas ao seu Alfa (Pratt) e começar a esquartejar humanos. Mais tarde Pratt volta a encontrar o grupo e diz-lhes para voltarem para porque ele é “bué da fixe“, que se calhar vai ser o novo Indiana Jones, e o raptor diz “Ok, somos outra vez amigos. Desculpa lá ter comido os teus amigos todos. Então, já se sabe se o Jon Snow morre ou não?

Ainda no domínio da genética e da má escrita, criou-se um novo dinossauro aterrador com ADN e características de vários animais jurássicos. Quais? Humm... Logo se vê, algo que caiba nos absurdos da história, como der mais jeito. “Hey, ninguém o viu, é camuflado! Ah, pois. É parte camaleão. Ai sim, e que mais? Logo se vê, o que for preciso.” E assim foram reveladas as partes genéticas do novo dinossauro. Dinossauro super inteligente nos primeiros 45 minutos e depois um bocado mais burro até que no final se tornou estúpido que nem uma porta ao não prever aquilo que toda a gente já imaginava só pelo trailer. Digamos que é um filme com uma péssima atenção ao detalhe.

Ao optar pela estratégia do deslumbramento do “bigger than life“, este filme falhou também na criação de algo que fizesse dele uma grande obra: um vilão em condições. Além de não ficar bem definido quem é o mais vilanesco sacana do filme, é sempre por motivações cartoonescas e monodimensionais. Pensamentos sob a forma de monólogos excessivamente confiantes em voz alta a esfregar as mãos como o Dick Dastardly. Só faltam sacos de dinheiro com um cifrão impresso. Isto e, claro, um abundante fluxo de imprevisibilidades do destino que dão uma mãozinha quando tudo está perdido, uma espécie de deus ex-machina por capítulo, lagos de nenufares em forma de coincidência cuidadosamente alinhados para embocar num final feliz. E também no pesadelo das companhias de seguros, do luto daqueles que perderem familiares numa previsível tragédia porque a natureza encontra sempre maneira de vencer, na questões éticas da genética, etc. Não interessa nada as crianças mortas num apocalipse jurássico se o herói agarra a dama em apuros e lhe afinfa a língua pele esófago adentro.  Não é que Jurassic World seja o pioneiro a criar esta amalgama de indefinição e trapalhice, mas são pensamentos que não se conseguem evitar.

O facto de não haver nunca perigo real e todas as situações de fuga serem fáceis cria um distanciamento em relação àquelas pessoas. Não existe a taquicardia e sentimento de pânico do original. Ninguém se preocupou em o criar, estava tudo distraído a criar dinossauros no 3D Studio Max. Nem sequer me vou alargar no CGI, que no cinema passa bem, com o barulhão da música e os efeitos sonoros de nos fazer sangrar pelos ouvidos, mas que depois na televisão parece que é tudo de plástico e separado em camadas embaciadas. Não me venham dizer que tem que ser visto em Imax, no cinema, à sexta à noite, depois de uma garrafa de vinho tinto, com pipocas, vestindo umas cuecas azuis em noite de lua cheia, porque o Jurassic Park funciona bem no cinema e na TV. E em VHS, DVD, Bluray, 3D, 2D ou naquela definição 240p 4:3 da SIC ao domingo à tarde, de quando passavam cinema. Eu vi no cinema e na TV. Não aceito blablá tens que ver assim e assado senão não .

No espectro do entretenimento está mais perto de um espectáculo de fogo de artificio do que um obra de sétima arte. Falta-lhe a alma de autor e a paixão de quem alinha a sua visão por uma grande história. Falta-lhe amor e o desenvolvimento que permite que nos identifiquemos com as contrariedades daquelas gentes, tudo isto sacrificado em prol do nonstop action que nos dessensibiliza e nos mete a pensar na questão que mais atormenta a raça humana: “terei deixado o gás ligado?