Haveria de passar uma semana até saber o que o destino havia guardado para o futuro do cinema. Mas naquela noite, ao início da madrugada de um tempo em que apenas existia para mim a sessão da meia noite, naquela noite fresca e convidativa para a juventude se abandonar à conversa casual e das certezas absolutas dos 20 aninhos, naquela noite tinha saído do Cineteatro Avenida em Coimbra onde vi o Last Action Hero. Os meus olhos brilhavam como uma teenager de Anime e o coração batia forte. O último filme de Arnold Schwarzenegger era um marco incontornável no cinema e na carreira do meu action hero preferido. Arnie reinventou-se numa altura em que toda a gente se perguntava “E agora? O que vai Schwarzenegger fazer quando já chegou ao pináculo?”. Bom, e foi assim que se reinventou num meta filme dentro de um filme dentro de um filme a olhar de fora para dentro e, simultaneamente, de dentro para fora, e dos lados e de cima para o cinema. Inverter a estrutura, partir a 4ª parede e criar a 5ª dimensão.
Ninguém estava à espera que o filme tivesse a personificação de nós próprios e dos nossos sonhos (o miúdo do bilhete), a interação com as nossas mais selvagens fantasias (misturar os dois mundos, cinema e vida real) e os mais musculados meios na feitura de uma obra de acção. Um filme com efeitos tão reais que se sentia o cheiro a pneu queimado, queimava na cara o sol da Califórnia do mundo do cinema e sentia-se no couro a porrada que o herói apanhava. Uma produção analógica à moda antiga, com duplos e destruição real. Um filme musculado precisa de um realizador musculado, neste caso só havia uma opção: John McTiernan. Nada de McMenus do CGI. Nesta área do CGI havia um cartoon polícia, que carimbava ali a presença do Roger Rabbit / buddy cop movie de parceiros não convencionais. Creio que na altura se pensava que seria esse o futuro do cinema de massas. Vejam-se as tentativas de reiniciar esta tendência anos mais tarde, nomeadamente The Adventures of Rocky & Bullwinkle, Stewart Little ou Space Jam.
Passados uns dias peguei num jornal onde fui ler tudo acerca do filme. Críticas de jornais portugueses e recortes de revistas estrangeiras que tinha guardado. Ora, o público odiou, os americanos não perceberam, os críticos batalhavam-se para ser coerentes sempre numa retórica negativista e malta que tinha gostado dizia agora que “ah, pá, pensando melhor nem gostei assim tanto.” Sendo a palavra-chave aqui “Americanos odiaram” e eram eles a pagar o box-office.
Fiquei com a sensação de que aquele momento definiu o início do declínio de Hollywood e de toda a civilização ocidental. O público não compreende abstração, os estúdios retraíram os testículos e viraram-se para o esquema da “sequela, prequela, remake” e o apocalipse cinematográfico do séc. XXI pode ser encontrado aqui, nesta estreia.
É certo que a visão inicial de Shane Black foi distorcida pelo imenso corte e costura que este guião sofreu, tornando-o num Frankenstein dos argumentos de cinema, mas ainda assim há uma nova dimensão de genialidade que o blockbuster nunca tinha visto.
Uma das razões que também contribuíram para este descalabro galáctico foi o esquema de promoção. Nesta altura as promoções era feitas através das bandas sonoras. Meio ano antes começou a rodar o CD com as músicas do filmes, uma das melhores coletâneas de sempre, todas as estrelas da época. Alice in Chains, AC/DC (com Arnie no vídeo), Megadeth, Def Leppard, Cypress Hill, Queenryche estavam entre as bandas mais queridas pelo grande público que esperava algo mais linear e convencional. Bem se foderam. Para mim, amiguinhos, criou-se um clássico instantâneo que ainda hoje ressoa na zona das minhas melhores memórias e terá com certeza um lugar na história. Irão dizer que Citizen Kane é o Last Action Hero dos anos 1940.
Que grande filme! A ideia de um filme dentro de um filme já tinha sido bem explorada no Demons
É verdade sim senhor. Mas este foi para as massas em formato blockbuster.
Nunca percebi como este filme não fez imenso sucesso. É divertido q.b., um vilão impecável, um actor no topo da carreira que não tinha problemas de gozar consigo próprio. Isto é dos melhores filmes do Schwarzzas!
Não se percebe, realmente.
nem brinques comigo – fui ver isto 4 vezes ao cinema. acho que se pode dizer que gostei.
Liguei o meu VHS à aparelhagem só para simular o som do cinema.
Para mim, o ponto alto é quando Danny vai sozinho à sala de cinema ver “Jack Slater IV” e o início do filme é ao som de “Angry Again”, dos Megadeth.
Uma grande malha que ainda hoje roda no meu carro com frequência.
Como todos os filmes encabeçados pelo ti Arnaldo, adorei! E pessoalmente, acho o Last Action Hero um filme muita fixe, nunca percebi as criticas.