Há dois artifícios narrativos de que não sou grande fã, o found footage e os esquemas manhosos que agora se vêem em todos os filmes de terror para retirar o telemóvel do filme. Da primeira apenas não gosto do formato, que após alguns filmes se torna repetitivo e os 90 minutos de duração parecem 180. Mesmo com todo o contorcionismo e mortais empranchados que se injetam nesse molde, é uma agonia para chegar ao fim, parece que as almofadas do sofá se vão transformando lentamente em xisto pontiagudo. Em relação ao artefato de remover o telefone da narrativa, é uma incapacidade dos argumentistas de se adaptarem aos tempos. Claro que é muito mais difícil resolver os aborrecimentos de ser perseguido por uma família de mortos vivos abusadores sexuais canibais mutantes quando não temos telemóvel. Mas ainda mais difícil seria se não tivéssemos energia elétrica, automóveis, antibióticos, capacidade de locomoção bípede ou utilização do córtex cerebral primário. Ou que ainda não tivéssemos saído da água e fossemos amibas perseguidas por Mosasauros. Falei sobre isso aqui (Artigo: Telemóvel, o terror dos filmes de terror.).
E eis que surge, para este Halloween de 2022, Deadstream. Faz parte de uma categoria que se vem a agigantar no cinema de terror, os filmes que se passam todos no ecrã de um computador, livestreams de eventos sem interação, somos aqui voyeurs dos ecrãs de alguém. Unfriended (2015), Searching (2018), Host (2020) e uma infindável miríade de outros exemplos que eu não vi porque a vida é curta.
Shawn é um streamer abusivo caído em desgraça. Outrora líder de audiências, rei da monetização, fazia furor com os exageros megalómanos semi-autistas típicos deste tipo de personalidades narcisistas até ter embatido de frente com a lei. Agora, retornado, pretende recuperar a notoriedade com o stream de todos os streams, passar a noite numa casa assombrada. Não uma qualquer casa vítima de rumores, mas um local cientificamente comprovado do como “infestado por fantasmas de elaborada perfidia”.
São 90 minutos em que lentamente Shawn vai sendo absorvido por forças maléficas do além com retorcido sentido de humor e especial perversidade. Equipado com todo o tipo de engenhocas de streaming, vai conseguindo documentar toda a patifaria paranormal que controla aquela casa, uma versão de Evil Dead do Intermarché. Aos poucos a sugestão e o medo infundado dá lugar aos jumpscares e aos monstros. E será, para os não iniciados, uma bela carga de roupa interior borrada na máquina de lavar.
Vi com o meu filho mais velho, novo colega de filmes de terror, e percebi que ele se identificou com o público alvo. Malta do Twitch, Youtube e plataformas de lives que não sejam jovens feirantes a vender roupa com as suas mães. Apesar do humor e a invocação de todo um imaginário Evil Dead, a maior parte das piadas acaba por sair sem gás, muito pálidas em comparação com o que se poderia fazer. Presumo que seja uma produção de baixo orçamento com um público alvo bem definido. Muito divertido, despretensioso e animado, mas não é para o meu palato.
Epílogo: Devo também anunciar publicamente que nunca vi, voluntariamente, nenhum Paranormal Activity e o Blair Witch Project dá-me vários tipos de diarreia. Por vezes perco algum respeito por quem se deixou impressionar por ele como sendo arte suprema, quando já temos o Holocausto Canibal a fazer o mesmo 1000x melhor.
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