Até aos finais dos anos 90 os filmes de terror viviam essencialmente da criação de situações onde os protagonistas se viam isolados e de seguida, em filinha indiana, eram chacinados como cabritos em véspera de Ano Novo. Com a chegada das redes de telemóvel, que nos estados unidos foi uns aninhos mais tarde devido a questões de norma tecnológica, chegou também o pesadelo dos argumentistas. E agora? Seja qual for a situação de um filme dos últimos 50 anos, facilmente se resolveria com uma chamada para o 112 ou para um amigo. Este atalho narrativo por telemóvel não iria apenas resolver tramas em filmes de terror. Episódios de Seinfeld, filmes inteiros de Woody Allen e grande quantidade de cinema que lida narrativas que têm a génese em problemas de comunicação. É certo que o cinema (e Hollywood em particular) têm problemas em adaptar os guiões à evolução tecnológica, como é o caso da utilização de informática que raramente tem algum paralelo com a realidade. Por vezes existem até guiões que passam décadas inteira em development hell e quando estão prontos para a fase de produção vêem elementos chave serem ridicularizados por um salto tecnológico que apareceu entretanto. Como está a lidar a indústria do Horror Movie com esta alteração no tecido social?
Há que mudar o paradigma. Há que adaptar o storytelling e incorporar esta realidade. A Internet tem exércitos permanentes de powergeeks a escrutinar filmes frame a frame com aplicações forensicas à procura de falhas e a mais franzina lasca narrativa ou deslize técnico é ampliada a falha brutal e enviada para o corredor da morte dos sites, foruns, image boards e redes sociais. De seguida vamos analisar alguns estratagemas que têm sido usados para dar a volta à questão.
Falta de rede por isolamento.
Uma das técnicas mais usadas é o isolamento ser de tal ordem que não há onda rádio que lá chegue deixando o assassino à vontade para calmamente ir decepando, decapitando, desmembrando, degolando, esventrando e retalhando sem preocupações de forças de autoridade ou de amigos narigudos interferirem na sua faina. É um estratagema falacioso, porque tão depressa há isolamento como há rede quando convenientemente o guião o pede.
Bloqueador GSM
O GSM Blocker que “é ilegal mas que pode ser comprado por 30 dólares no ebay” e é sobre-explicado para que até o mais retardado cinéfilo perceba a razão do isolamento é a força motriz de You’re Next (2011) e dá azo a que todo o inferno possa descer sobre aquelas pessoas assim que seja premido o botão de “GSM Off”. Mas lá está, tão depressa é usado para uma coisa como para outra, uma vez que esta possibilidade de à ultima apanhar uma barrinha de rede para telefonar a alguém tem vindo a ser o Deux Ex-Machina destas produções.
Faltou a bateria
Ok, temos rede e ninguém bloqueou o sinal. Está tudo bem e… mas… mas… bolas, fiquei sem bateria. Devia ter trazido o carregador. Ou um carregador solar. Ou outra bateria. Ou devia ter desligado o wireless, bluetooth, 3G, NFC, sync activo e o Farmville do Facebook e não devia ter usado o flash como lanterna para fazer aquele teatro de sombras. Se calhar posso esfregar o telemóvel nas calças de ganga de maneira a que o atrito cause electricidade estática suficiente para … Arghhh… [carótida exposta jorra litradas por minuto. Shh… No tears, only dreams now…]
O famoso EMP (Electromagnetic Pulse)
Quando se trata de matar mais que o ocasional turista ou casal teenager que na realidade só queria molhar o pincel, o EMP é usado para mandar para a idade da pedra toda a região onde cai. Computadores, comunicações, multibanco, televisões, rádio, vibro-massajadores, tudo para o caralhinho. “Falem entre vocês”, como diz naquela imagem que todos vocês já partilharam no facebook para não dar a entender que na realidade são uns viciadões de primeira em redes sociais e merdas online. Ora o EMP permite adaptar facilmente um guião dos anos 60 que lide com a 3ª guerra mundial, como por exemplo o remake do Red Dawn ou a injustiçada série “Jericho”. Em português de Portugal diz-me “Impulso Electromagnético”.
Personagem é hispter vintage lover e recusa-se a aderir à “moda” dos telemóveis.
Acontece pouco, mas acontece. Um tipo que não gosta de telemóveis porque tem saudades do autotracking do VHS e do borbulhar de vinil não usa telemóvel porque acha que os humanos devem ter relacionamento directo, sem barreiras electrónicas. Até porque a mãe natureza, o deus Jah e o cachecol de alpaca devem ser apreciados sem distrações tecn…. ARGHHH… MÃEZIIIINHA…UGHHHH… [afinal não devia ter corrido todo nu na floresta sem verificar se existiam armadilhas para ursos. E ursos.]
Filme rodado no passado.
Esta fica mais cara. Dificuldade em resolver a questão do omnipresente telemóvel? No problem. Roda-se o filme em 1984. Afinal de contas uma casa no meio da mata com pessoas em t-shirt e calças de ganga passa bem. Desde que não se meta um modelo de carro recente, tudo está controlado. “Então mas já havia implantes mamários em 1984 para qualquer teenager?”. Não são implantes, têm naturalmente a forma de bolas de rugby em que uma aponta para cima e outra para baixo.
E com isto chegamos fim dos exemplos com uma única conclusão em mente. Qualquer que seja o artifício para fugir ao poder de problem solving de um telemóvel, o elefante continua no meio da sala. Tem que sempre haver uma cena desnecessária e artificialmente injectada a explicar porque é que o telemóvel não resolve aquela situação específica. Os argumentistas normalmente são pessoas das artes, infonabos que sofrem com o progresso, deviam informar-se e procurar soluções de integrar esses elementos das suas histórias e nos pontos chave dos guiões em vez de simplesmente as colocarem de fora. Mas em condições realistas, não é hackers a teclar furiosamente sem usar o rato e a repetir nonsense em voz alta envolvendo mainframes e o número de firewalls que já perfuraram .
Já agora, para que fiquem bem claras as noções aqui apresentadas, deixo-vos uma adenda educativa para que não passem vergonhas em festas ou naquela parte em que todos ficam bêbedos nos encontros de ranchos folclóricos.
Isto é um Impulso Electromagnético (arma de):
Isto é um Pulso Electromagnético:
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