Florence Pugh, coitadinha, é enviada para uma aldeia irlandesa dos anos 50 do séc XIX. Enfermeira, mulher de ciência, vai ajudar a investigar o caso de uma miúda que não come há 4 meses. “É Deus, um milagre! Alimenta-se do maná dos céus!”. Os cabecilhas da aldeia salivam já de antecipação com a possibilidade de uma canonização, um santuário em honra daquela santinha que é alimentada por Deus. Catedrais, cultos diários, um convento dedicado à santinha, hotéis, lojinhas a vender harmónicas e pífaros da Santa Anna alimentada por Deus. Mas Pugh quer evitar a morte da menina, metida num turbilhão de infinita densidade católica. Será capaz a ciência de bofetear a mais católica de todas as eras e zonas geográficas.

Durante as quase 2 horas de duração o argumento reza assim:

Florence Pugh: Come!

Santa Anna: Não

Florence Pugh: Come qualquer coisa!

Santa Anna: Não

Florence Pugh: Uma sande

Santa Anna: Não. Não se diz “sande”

Florence Pugh: Diz sim, sua inculta. Apesar de não soar bem. Come!

Santa Anna: Não

Florence Pugh: Só um bocado

Santa Anna: Não

Florence Pugh: Um croissant

Santa Anna: Com quê

Florence Pugh: Misto

Santa Anna: Não há mais nada?

Florence Pugh: Nutella. Queres?

Santa Anna: Não

Florence Pugh: Queres comer o quê afinal?

Santa Anna: Nada

Florence Pugh: Mas tens que comer

Santa Anna: Não quero

Florence Pugh: E se fizer frango frito?

Santa Anna: Não como frango. Sou vegan.

E assim continua até a Florence Pugh conhecer um culto jornalista da cidade, que pretende imortalizar a história que promete ficar nos anais da história. E já que falam em anais, aproveitam para pinar um bocado contra uma parede para depois o filme retomar o seu fluxo.

Wonder é um pastelão de plataforma, Netflix, que cria uma bela trama com as falácias e perigos da religião e do seu extremismo. O catolicismo desta época não é diferente do cristianismo praticado nas américas neste momento ou de outras religiões noutros pontos do mundo. 

Tal como muito do cinema independente atual, neste estilo slowburn, cria um conceito que martela demasiado tempo até à sua conclusão, até provar o ponto. Neste caso, mais de uma hora de nos massacrar com falta de evolução, lento de passadas preguiçosas. Salva-se o fim.

É, no entanto, um filme lindo. Bem filmado, bem composto e maravilhosamente fotografado. Tanto em interiores como em exteriores. Esta beleza hipnótica serve de suporte a toda a inércia narrativa de que sofre, compensando em beleza o que lhe falta em ritmo. 

Não posso deixar de falar no início do filme que começa num armazém de filmagens, onde nos mostra os cenários montados para as cenas que vamos ver. Muito Lars von Trier. Não compreendi esta injecção teatralidade.