Acordei numa sala escura. Uma lâmpada forte apontada cirurgicamente à minha cara. Mal conseguia abrir os olhos, sentia o sabor a sangue na boca e provavelmente meia dúzia de costelas partidas. Tentei falar. Ao fim da primeira sílaba, senti um pulmão pressionado por algo pontiagudo. “Foste tu quem escreveu o texto do Jurassic World Rebirth na página do Sr. Joaquim no Facebook?”. Aflito e assustado pensei que finalmente as consequências estavam a materializar-se na vida real. “Senhor quê? Nunca ouvi falar…”. De repente sinto um choque a percorrer-me o corpo, todos os músculos se mexem violentamente de modo involuntário. Incluindo o esfíncter retal, infelizmente. “Era uma pergunta retórica, óh burro! Sabemos que nem sequer viste o filme. Emprenhas pelos ouvidos só para te armares em espertinho e alguém tem que pôr fim a isso. Tens 3 dias para o ver. Senão voltas para aqui e levas uma segunda volta que não será tão agradável”. Um pensamento relâmpago tomou conta de mim, deixar completamente esta parvoíce de falar de cinema. Não necessito realmente disto para nada, muito menos morrer eletrocutado todo borrado por mim abaixo. “Quem és? Serviços Secretos? ASAE? Polícia Judiciária? Mossad? CIA? Mercenário? Espião MI6?”. Uma gargalhada que me vaporizou uma brisa de má higiene oral na cara. “Não, meu bandalho. Sou o Caló que trabalha de manhã no talho do Alcides. Primo da Gisela da Zouparria, que é recepcionista na Florista Linita. Campeão distrital de dominó”. Ok, pensei. Finalmente o famigerado reconhecimento público.

Reuni a família, sala escura, e toca a carregar no botão. “Mas pai, está nas salas de cinema ainda!”. “Ai sim!”, respondi, “Realmente teria sido uma ótima ideia. Infelizmente já estamos aqui. Investimos depois esses 53 euros poupados em bitcoin ou KFC.” O pequenito já sabia tudo, porque atualmente estas produções fazem parcerias com jogos populares para provocar o que está acontecer aqui, convencer o resto da família a ver o filme.

O mundo Jurassic Park regressa aos temas que o fez famoso, as aventuras, o risco, as famílias com crianças em perigo e dinossauros. Há praticamente 2 filmes em paralelo que podia ser separados, como gémeos siameses pouco entranhados. O primeiro conta a história de um grupo de mercenários a soldo da vilania do Big Farma para faturar biliões. Há que sacar sangue a 3 dinossauros para fazer mambo jambo científico. O segundo é uma família que viaja de veleiro se vê em apuros rodeados de dinossauros. Eventualmente essas narrativas unem-se, depois separaram-se e voltam a unir-se. Há que checar todas as caixas para garantir a maximização emocional do todos os públicos para ajudar a vender os bonecos e menus temáticos de empresas de fast-food. Nem sempre faz sentido, mas esta sensação de aventura que foi perdida nos dois últimos tomos revigora a saga e reorienta-a no sentido da bússola da aventura familiar pejada de dinossauros. Não que torne este filme bom, mas porque estava terrivelmente mal direcionado anteriormente.

Os efeitos especiais estão com surpreendente boa qualidade, com o destaque para as cenas dos dinossauros na água. Há uma mistura, como no original, de efeitos práticos com imagem sintética que cria boa interação das personagens com o ambiente. Ajuda a materializar a tensão e pela primeira vez desde 2015 sente-se o suspense da luta pela sobrevivência. O regresso às paisagens luxuriantes dos trópicos havaianos ajuda imenso.

O argumento é, no entanto, batido e previsível. A bater os pontos clichés do costume, a mistura de emoção sopeira com profissionalismo militar tão típico destas produções, temas reciclados, cenas decalcadas do original num esquema meio homenagem meio mugir das tetas da nostalgia. Muitas personagens, pouco desenvolvimento. O filme é para crianças, toda a violência é implícita. Também demora a entrar em velocidade de cruzeiro e leva muita gente a saltar fora e a pegar no telefone.

Scarlett Johansson não convence como durona militar de elite. Nem em postura nem em ação. Sempre estática de roupa muito justa como que a dizer “Olhem aqui estes melões” enquanto os seus colegas lutam internamente para lhe olhar nos olhos. Projeta mais uma figura maternal, curiosamente.

É um regresso aos temas e tons originais, que aposta numa mistura de nostalgia com a ideia de família em perigo, enchendo o ecrã de dinossauros bizarros. Ao contrário dos outros filmes, aqui são todos modificados geneticamente, esquisitos. Não quero mandar grandes spoilers, mas o boss final parece mesmo um daqueles aliens mutantes híbridos humanos deste último Alien Romulus e do Alien Ressurection. Tanto em design como em parvoíce. Em relação a Gareth Edwards, confirma-se: tarefeiro e vítima da sua ótima capacidade de transferir com sucesso efeito de escala e dimensionamento em filmes.

https://youtu.be/cELZu9tFaaU?si=-WRhjbCNSK6kE9Ds

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